Opus Incertum
para Marjorie Riff
Perto da janela verde do quarto
existem pequenas flores que o sol coroa.
Não sei se ainda mais roxas são
ou se a percepção não tem portas,
nem janelas, nem luz.
Mesmo assim as colhi
numa tessitura de tiara que deposito
na fronte que se permita
louvores.
Pássaros anelam histórias custosas
e deitam seus ninhos
forrados com torpor plagiário
de minhas peles.
O vento impele gravetos
que se partem como cabelos fracassados,
como relâmpagos sem clarão.
Um novo dia se apressa
no umbral do saguão
e um deus vomita sobre minha cabeça
e corrói meu cérebro
e abre vielas sobres os despojos
de uma melancolia inútil.
A criança loura
mastiga bolachas que a mãe
socorre no decorrer das bochechas.
Carros zunem com os homens elétricos,
os computadores autônomos
e as prostitutas de carmesim desfeito.
O sol coroa ainda mais
minhas pestanas e o ceratocone.
Com suor nas mãos
tento agarrar uma abelha
que me premia com o ferrão
na carne corroída pelo deus,
que em uma sombra descansada e misteriosa,
à moda do Caravaggio,
some sem incensórios e bênçãos tardias.
Redescubro um quadro malfeito,
que insípido,
previno reparos.
O óleo acabou e a terebintina
pareceu-me nome de enfermidade incurável.
Profilaxias asfixiadas
com algodão e espátulas.
A pintura permaneceu incorruptível.