UM POEMA
UM POEMA
(ao poeta Ulisses Duarte)
Venho dar-te razão:
num poema não se explica
claramente
o que com ele se pretende.
O poeta extasiado escreve
e em êxtase fica
enquanto aplica
as palavras em que se transcende;
Metáforas que são
de incerta dimensão
ideias que a alma deteve
e pôs a fervilhar
em breve sonho...
E paira a esvoaçar
na brisa, ao de leve,
o poema que compões
e que eu componho;
Tal como o colibri
não explica porque beija a flor,
ou a andorinha também não o faz
quando ao beiral regressa;
Tal como a cegonha não diz do amor
ou da paz com que atravessa
os ares, nos seus trilhos
levando o alimento para os filhos...
Um poema é um acto de amor
de esperança, de alento, ou desalento
e basta que o leitor daí deduza
algum alcance havido no momento...
O entender com mais... menos rigor,
saber se o inspirou alguma musa,
ou ler correctamente as linhas
em vez das entrelinhas,
tem ar de secundário...
Um poema
que imortalize o seu autor,
tem o valor da folha
que um dia (até) secou
e que depois formou
com outras folhas, um herbário.
Joaquim Sustelo
(em ENQUANTO A BRISA SOPRA)