PAÍS ANTIGO

Eu quero o amor como pão feito em casa

apesar do tempo escasso

e da refeição avessa

aos encontros coletivos.

A mesa mal guarda a lembrança

dos talheres e pratos

todos reunidos

e das bocas coloridas e acesas

em volta.

Eu quero o amor como ruas

onde brinquem crianças

apesar da última árvore

e nua

sem marcas de primavera.

A rua mal guarda a lembrança

das velhinhas repletas de histórias

como as estações

e das casas e quintais reunidos

em volta.

Eu quero o amor como um navio

que ainda crê em oceanos

não catalogados

apesar das cartas marítimas

que prescrevem roteiros como bulas.

Os navios mal guardam a lembrança

de sereias, netunos, nereidas

e de ilhas aguardando

em volta.

Eu quero o amor como um poema

onde o silêncio se mostre

com as ninfas e os sátiros

e os deuses em concílio

apesar do olhar civilizado

e dos nomes sem raízes.

O poema mal guarda a lembrança

das palavras reunidas

conspirando utopias

em volta.

Eu quero o amor como um país antigo

de tão futuro, onde o coração se mostre

nu e natural

apesar do frio e da memória

apesar do medo e das ruínas

apesar do peso da esperança

tanto em volta.

Eu quero o amor

como quem volta.

Do livro inédito (só "publicado" para um único leitor) CRAVO VERMELHO TERNO BRANCO, 1991.