IMPERÍCIAS DO TEMPO
Lembro-me em momento
da infância
a sentir saudades
da infância.
O tempo sábio tonto
que em certos seres
inverte as estações
mar pelo avesso
aves traquinas de um segundo
e tu, amor, que me estando
dentro
por todos os lados
nunca te encontras
no ponto em que te busco.
O tempo que nos brinda
com suas armadilhas
que quase nunca nos coloca
onde estamos.
O tempo que nos colhe
pelo avesso
e nos oculta a face
no espelho.
O tempo, amor,
que nos escolhe
ao acaso.
O tempo sem pudor
que nos desnuda
até a última folha
e nos abandona
ao furor dos ventos.
O tempo que não nos sabe
mas age
como se nos soubesse
tosco sapato velho
confortável
tropega esperança quase cega
pantera na jaula
a nos olhar nos olhos
criança a adivinhar abismos
sombras petrificadas
a boiarem nas águas
águas a desmoronarem
nas pedras
e sobre tudo o teu rosto, amor,
que reconheço sempre
pois o tempo, conosco,
mostrou-se poroso
institui-se desvios
vazios na matéria densa
por onde penetramos
nesta antigüidade sempre jovem
a nos erguer da morte
cotidianamente.