Poema ao Vesgo da Rosária
É, eu fui lá,
comi um tropeiro
e rezei por nós.
Pedi uma Coca-Cola
gelada com limão.
Rabisquei num papel,
dei uma gorjeta pro garçom.
Hoje eu não reclamei de nada,
trombei num poste, e caí na estrada.
Peguei o ônibus errado,
rachei o meu metacarpo.
Enfim,
não há nada novo sob o sol
que eu não queria te mostrar.
E só porque eu sumi,
não significa que deixei de sentir.
Eu sumo um pouco às vezes,
gosto da minha quietude.
Sou essa alma velha,
com enfeites de luar.
Não troque o seu número,
porque a qualquer momento,
seja agora ou depois,
vou querer te ligar.
E vou contar piadas
pra ouvir você rir de mim.
Vou reclamar do trabalho,
mas é só para falar mesmo,
ter algum assunto,
contar histórias repetidas
sobre todo mundo,
e até o vesgo da Rosária,
para você recordar.
Ouvi dizer que em outras bandas,
a mesma se encontra,
sentada na porta de casa,
esperando um filho que se mandou.
Mas ele não foi pra lá, o vesgo amado.
Deve ter ficado à beira do caminho,
sem freio,
na relva se arrebentou.
Fiquei sedento de água,
mas respirei fumaça.
Quando eu vim pra cidade,
só pra conhecer
o significado de amor.
Eu apontei na esquina,
como um mendigo adolescente,
com fé em Deus
e sem fé em gente.
E perguntei por um amigo,
que Deus o tenha,
fez um favor da virtude
de ser ímpio,
de ser burro.
Um louco clandestino
do alto se jogou,
e meio anjo caiu,
como um diabo partiu.
A Rosária, dizem,
ficou sozinha com seu rádio de pilha,
ouvindo o chiado,
esperando notícias que nunca vieram.
No rádio, as vozes anunciavam:
"Tempestade à vista,
frio no sertão."
Mas o vesgo dela,
aquele de olhos desalinhados,
nunca mais pisou a poeira do quintal.
E quanto a mim,
que rabisquei esses versos tortos,
sou só alguém perdido
nos ecos da cidade.
Escrevi, mas não sei se você lê.
Sumi, mas não deixei de sentir.
Se o rádio da Rosária se calou,
meu coração ainda fala.
E talvez, qualquer dia,
eu te ligue.
Pra contar do vesgo,
pra rir das piadas,
e pra lembrar que,
mesmo sem notícias,
não deixei de te amar.