Eu sou vário...
Não venham me analisar. Em mim há tantos que te perturbaria. O que menos avulta é o poeta que em raras ocasiões encarno. E é de mim o que mais amo. Suo para gerar um poema que resista ao pôr do sol. Sonho o poder de roubar de um poeta morto uns versos plenos e inéditos, não para me trazer a fama, mas deixar um solitário realizado.
Não venham me analisar. Num outro ermo de mim há um cantor emudecido com medo da própria voz. Um sem ritmo que desafinaria até na hora de aplaudir. Dizem, os meus bons amigos, que eu cantando, de tão ruim, encarno um excelente comediante. Logo eu, que depois de uns bons tragos, me achava o Luciano Pavarotti tupiniquim.
Não venham me analisar. Há em mim, lado a lado ao cantor desafinado um palhaço frustrado pela timidez. Outro que vê graça onde nem há, mas revestido de um egoísmo único, guarda em si e somente para si, os traços disfarçados da comédia humana na face dos que me rodeiam, inclusive, uns tipos que são exibidos na face da minha mãe.
Não venham me analisar. A parte em mim reservada ao advogado que me habita é a mais azucrinante e previsível. Apenas sobrevive da astúcia de minhas necessidades materiais. Sigo rabiscando termos de lei que não raras vezes, se divertem expulsando de mim uns doces poemas que surgiriam dos ventos de uma manhã de ócio e lucidez.
Não venham me analisar. Amanhã já serei outro, e depois, um bem diferente de todos. Apenas minhas manhãs serão as mesmas: cheias de frases boas ou não, mas hei de preencher os vazios brancos dos papéis e dos corações de quem se dispuser a me ler. É que eu tenho tantas palavras soltas, e ninguém me ensinou a guardá-las mudas. Eu até tento!