SERVENTE ( mais uma tragédia de amor )
O coração incrustado
Nas pedras, misturado
À areia e sofrimento.
Aos poucos a massa disforme
Ganha forma e movimento.
Junto à cal e cimento
Tem os ferros, esquadrias,
Tem um pouco de miséria,
Quase nada de alegria
E o andaime sobe, etéreo,
O homem e sua poesia
Cresce dentro do mistério.
Mais um tijolo assentado,
Medido, dúbio e prospecto
À dor, fome, agonia,
Preso em tenso projeto,
Construindo aos poucos o homem
Como um prédio, objeto.
Sai à rua pesado bloco
De homem, coluna, alicerce,
Ternos passados a prumo,
Nivelado em sua messe,
Olhos frios de concreto
Levando dentro, secreto,
Um amor que não se esquece.
Mas sem querer aparece
Na planta do arquiteto
O olhar calado, triste,
Do sonho em densa masseira,
De um amor impossível
Girando na betoneira.
Era uma massa de dor
No piso da casa inteira.
Mas moço pobre, servente,
Pra esse amor não servia,
E no baldrame a corda
Fechou o nó na esquadria
E foram o achar bem branco,
Como a cal dessa poesia,
Terminando a construção
Que a própria morte erguia.