SERVENTE ( mais uma tragédia de amor )

O coração incrustado

Nas pedras, misturado

À areia e sofrimento.

Aos poucos a massa disforme

Ganha forma e movimento.

Junto à cal e cimento

Tem os ferros, esquadrias,

Tem um pouco de miséria,

Quase nada de alegria

E o andaime sobe, etéreo,

O homem e sua poesia

Cresce dentro do mistério.

Mais um tijolo assentado,

Medido, dúbio e prospecto

À dor, fome, agonia,

Preso em tenso projeto,

Construindo aos poucos o homem

Como um prédio, objeto.

Sai à rua pesado bloco

De homem, coluna, alicerce,

Ternos passados a prumo,

Nivelado em sua messe,

Olhos frios de concreto

Levando dentro, secreto,

Um amor que não se esquece.

Mas sem querer aparece

Na planta do arquiteto

O olhar calado, triste,

Do sonho em densa masseira,

De um amor impossível

Girando na betoneira.

Era uma massa de dor

No piso da casa inteira.

Mas moço pobre, servente,

Pra esse amor não servia,

E no baldrame a corda

Fechou o nó na esquadria

E foram o achar bem branco,

Como a cal dessa poesia,

Terminando a construção

Que a própria morte erguia.

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 26/07/2021
Código do texto: T7307951
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