Quando eu vi Amália

Quando eu vi Amália

eu ri pela desgraça que acabara de acontecer:

eu gostei daquela boca sumida

e mais ainda dos seus olhos fundos de uma ressaca penetrante

Amália era tola demais quando tocava as membranas do seu prazer

Era tola, pequena, escorregadia

mas era a condenação que meu coração havia escolhido

havia engolido...Sem força complementar

Quando eu vi Amália

seus pés eram másculos e torpes

gigantes, feios

seios em lugar de circunferências

diaba sem trégua

desgraçada pela sua força que me matava

Mas era Amália que eu queria ter na minha calçada

Quando eu vi Amália

algo de enorme pousou em meu ombro

e tomou conta da minha rua

e por mais que eu a descobrisse em toques mozartianos

era como se, pela primeira vez, eu estivese vivo

como quem come chocolate e morre de desgosto por isso

Quando eu vi Amália

seus cabelos eram como garras de uma Medusa confusa e satânica

que de tão anjo

comeu meus lábios sem respeitar a hora do jantar

sem respeitar a mim...

Prostituído por aquela criatura sem nexo, realidade, moral, forma, beleza, existência

fui consumido por Amália.

Fui feliz

mesmo sendo tudo tão surreal...

Quando eu vi Amália

eu me casei comigo mesmo para poder reparar os erros do meu nascimento

e para saber onde foi que colocaram a minha realidade

porque Amália me bateu

na cara

logo quando me viu

disse;

"Vá logo se acostumando comigo, pois eu amo assim

nas mordidas

nas pancadas cardíacas

na vida

e não sou sua e não serei nunca"

Quando eu vi Amália

percebi que não era ninguém

não era Sophia, não era nada

era só a minha angústia vestida de ilusão

Quando eu vi Amália

morri.

Apenas isso...

e nada mais foi natural sobre a terra.

Nem sobre a Terra.

Agora a Amália sou eu.

Por isso, quando me vejo, me estrangulo

e sonho no sofá vermelho.

Valdson Tolentino Filho
Enviado por Valdson Tolentino Filho em 13/11/2005
Reeditado em 13/11/2005
Código do texto: T71077