A Poesia e as pérolas

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A ostra descansa no fundo do mar. À profundidade

do fôlego dos pescadores, protegida

das correntes que ondulam as membranas

das medusas transparentes, dos sons

estranhos emitidos pelos seus marítimos

parentes, escondida à superfície

da leveza beige das areias.

Vive sossegada, mas doente.

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A ostra sofre de uma lesão letal. Uma areia,

um corpo intruso, agressivo e real, entrou

com a corrente, instalou-se no seu

corpo breve. E isso faz-lhe mal. Não consegue

rejeitá-lo. Segrega então uma substância fina,

macia, tentando dissolvê-lo. Mas forma-se um

tumor. Que lenta, pacientemente,

lhe invade o breve corpo. Brilha macio

como a morte, redondo e total como a morte,

branco e rosado como a aurora boreal.

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Está doente. Não se alegra aos reflexos da luz

que se cruzam sem parar,

não se goza das cores das anémonas a abrir-se e

a fechar-se como as pulsões de um

coração com vontade de viver, não

inveja os rituais amorosos dos peixes e crustáceos.

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Não percebe os perversos truques dos

predadores nem os hábeis esconjuros com

que se escapa à morte. A ostra está doente,

obcecada em digerir aquele segmento

intruso, micromundo agressivo reflectindo

o exterior, a provocar-lhe incomparáveis

dores, indiferente à boa e à má sorte.

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Sabem-no os pescadores. Por isso

mergulham. Arrancam-na ao seu habitat.

Abrem-na. Extraem-lhe a pérola.

E jogam-na fora.

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Os grandes apaixonados da grande Poesia

lêem os grandes poemas enroscados no sofá.

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© Myriam Jubilot de Carvalho

15 de Maio de 2004

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Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 15/06/2020
Código do texto: T6977870
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