Despedidas

Já é noite aqui. O vento frio bate na vidraça do meu quarto. Lá fora, nada mais que o barulho ensurdecedor do silêncio da escuridão. E aqui dentro - de mim mesmo -, em silêncio, a minha escuridão interna urra. Eu ando me perguntando: será que você se lembra?

As vezes, eu tenho certeza de que não. "Casa ou apartamento?" Ah, essa é fácil, eu decido por nós. "Acho que precisa ser casa senão nossos cachorros sofrerão demais." Você, olhando para mim com o olhar de certeza, volta: "Nossa, é verdade... Não tinha pensado nisso. Em apartamentos não vão permitir tantos cachorrinhos." É, não iriam. Mas, tudo bem... Sobrava a nós uma outra pergunta agora: "Aonde?" Perguntamo-nos mentalmente, um ao outro. "Em Santos, então? A gente pode trabalhar e, no final de tarde, caminhar pela orla. O que acha?" Você sorriu, dizendo que sim com a boca, com os olhos e com o coração. Eu mesmo vi. Mas só para não me restar dúvida, também gesticulou com a cabeça. "Ah, vai ser Santos, então. Tá combinado." Eu sonhei. Nós sonhamos tanto. Será que você se lembra?

Me perdoa por cada falha. Minha e sua. Eu nunca fui tão bom assim quanto você inventou. Mas você também nunca entendeu o tamanho do meu amor por você, né? "Isso vai dar certo, viu?" É, vai... E até que deu. Por bem menos tempo do que eu achei que deveria, por bem menos tempo do que eu queria que tivesse dado. É noite, mas o dia já está por vir. Talvez eu madrugue outra vez. A vida é mesmo cheia dessas nuances, né?

A gente combinou que, quando estivéssemos já velhos, se um de nós já tivesse que partir, nós estaríamos esperando para continuar a viver essa história linda de amor, seja lá onde for. Eu, sempre brincando - mas com certo tom de desespero e sinceridade -, vivia te dizendo que preferia ir antes de você por não aguentar nem mesmo a dor de imaginar como seria te perder. E olha só: eu te perdi. E não foi pra idade, não foi pra morte, não foi para outro toque de pele. Eu te perdi pra mim mesmo. E você também me perdeu. A gente achou que dessa vez era pra valer. Você se lembra?

Ouvi dizer que até hoje você se recusa a deixar alguém entrar na sua vida. Me diga, eu juro que não me importo, você já encontrou alguém? Alguém que te fez dar aquela risada infantil? Cê sabe de qual eu 'tô' falando, né? Aquela que eu amava e que você dificilmente dava. E odiava quando a deixava escapulir. Aquela que eu, com muito custo, consegui contar um total de incríveis quatro vezes que as arranquei de ti. Eu as deixava, quase que como troféus, na prateleira da minha vida. Bem ali, na sala de estar da alma, que é pra que todo mundo que tentar entrar, já entender que por aqui ainda vive você. As tuas risadas eram motivos de orgulho para mim. Ei, será que você se lembra?

Na verdade, eu só queria que você soubesse que eu não me lembro, nem nunca me lembrei, de nada disso que te digo agora. É, eu não consigo. E eu juro que já tentei. Eu tentei e tudo o que eu queria, mesmo que só por um segundo, era ter a felicidade de me lembrar de ti e de todos os seus trejeitos, todas as suas loucuras - que não eram poucas - e de todo o seu amor. Eu queria. Juro mesmo que queria. Mas, no final, com você foi que eu entendi que a gente só se lembra daquilo que, mesmo que por um descuido da mente, já conseguiu esquecer - ainda que por um segundo. E eu nunca te esqueci, nem mesmo por um deslize, nem mesmo por um deleite da vida. Eu, meu grande amor, eu não me lembro de nós.