NÃO SEI COMO TUDO COMEÇA

ainda não sei como tudo começa. dizem

que por uma palavra, um gesto, um olhar.

eu acho que é por uma cor.

é por ela que explode a febre, o luar,

a constelação de mil estrelas, o amor.

sinceramente, ainda não percebi. mas tudo

brota por uma respiração, um soslaio,

talvez um toque de mãos, a pele, o veludo.

eu acho que é pela dor, pela flor

que lá vem a tempestade como um raio

e, depois, fica a alma, a cegueira, a devastação.

não sei como é, mas luto por saber

como é que germina essa onda, essa fome,

tudo isso, a desordem das coisas, a loucura,

essa terrível pulsação. acho que é o estertor

da aflição sob a névoa longa, eterna, pura

e de todo o seu movimento em redor da terra.

eu acho, pois, que é um feitiço de misteriosas

ilhas longínquas, de florestas ainda sem nome,

o transe que transforma os ouriços em rosas

e guarda-as onde apenas um segredo encerra

a explicação por onde o amor se força a nascer

e se estende pelas sombras em busca do sol.

(esta página acabei-a de ler

nas dobras quentes do lençol).

JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES

(inédito. 22.06.04)

JAG
Enviado por JAG em 15/10/2005
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