UM CORAÇÃO BOM V

... sim,
a vida foi dura desde menino,
ainda me lembro do frio,
da chuva pingando

à noite,
em minha cabeça, daquele telhado
escurecido pelo tempo;

ainda me lembro
dos crepúsculos sangrentos,
dos egos purulentos,

das caixas
de picolés às costas,
sem chinelas, sem nada, como que
a contribuir com a loucura
do mundo;

ainda me lembro
do gabinete e da prepotência dos professores
e letrados, e demais obesos
assoberbados;

ainda me lembro
das surras, de mendigar balas
e ossos de pés de galinha
feitos na fornalha;

ainda me lembro
da primeira namorara e, a seguir,
da primeira traição por ela
consumada;

ainda me lembro
do pequeno amigo, morto fincado
aos ferros por uma carroça
carregados,

quando pensava
voar com sua bicicleta;

ainda me lembro
do meu ato covarde, ao correr,
vendo meu outro amigo, ainda em criança,
morrendo soterrado;

sim,
em criança já enfrentava fantasmas
severos e o esquecimento
não tem rotas de fuga;

ainda me lembro
de tanta e tanta coisa agora
ao meu fim bastardo;

e ainda me lembro
de quando falaste “jamais
farei mal para tu”;

e o esquecimento
não tem portões nem rotas de fulga,
e em meio a tantos nevoeiros
jamais esquecerei essa
sublime luz.
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 28/03/2016
Reeditado em 28/03/2016
Código do texto: T5587104
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