Onírica
Numa fria tarde de junho,
àquelas horas de sesta,
meu leito foi testemunho
de a que o sono se apresta.
Matizes de inefável
intensidade a brilhar,
brisa e aroma de favos
fundiram no espectro solar.
Uns rostos habituais,
c’o apoio de ignotas vozes,
saudavam-me mais e mais
enquanto passavam velozes!
Emanavam, em derredor,
calor, perfume e alegria;
eflúvio possuidor
de quase tudo em poesia.
Sob noturno lusco-fusco
céu onde lua se agrava,
via-me ainda em busca
de algo que ali me faltava.
Neste esquivo devaneio
que se embuçava real
uma dama se a mim veio
como um anjo corporal.
Que branca pele de gelo,
tão macia devia ser,
negros e longos cabelos...
impossível esquecer!
Não apenas Deus sozinho
suas formas concebeu:
no Olimpo fez-se o ninho
da preferida de Zeus.
Fosse última vista em vida
minha, morreria bem,
mas não, não queria a partida
já que ela me olhava também.
No gesto, tanto esplendor,
que meu corpo real gemeu...
Mas meu eu ilusão não voltou
daquele lugar tão meu.
Seu diáfano vestuário,
branco, trêmulo ao vento,
tecido em meu imaginário
para o exato momento,
não serviria a outra moça,
pois, se lambe-lhe a silhueta
e entre corpo e vento balouça,
mostra-me o quanto é perfeita.
O encanto de seu olhar
ao tempo e ao espaço cerceia;
sutil acanhado chamar,
como o canto da sereia.
Entre ramos magnólios,
a distância se fez pouca;
num abrir e fechar de olhos,
viveu um beijo na boca.
Conhecer feição tão pura,
tão rara, tão diferente,
demandava fazer juras:
não deixá-la só novamente.
Na pele, seda macia,
na boca, favos de mel;
não era só fantasia,
estava chegando ao céu.
Suas mãos minhas mãos não soltavam,
clamavam por seu calor,
como os girassóis buscavam
no céu último raio de amor.
No purpúreo anoitecer,
à frente, em nossa estrada,
a multidão a se mover
pôs fim à nossa jornada.
No vaivém de pessoas
nossas mãos se separaram
enquanto a noite caçoa
dos girassóis que pararam.
No vaivém de pessoas
nossas vistas desencontraram
enquanto o breu se afeiçoa
por aqueles que se amedrontaram.
A sós, eu e a noite deserta,
sentimos a dor do fim;
um ímpeto que só Werther
explicaria por mim.
Foi eterna essa procura:
na música, dura uma oitava;
e, ao revê-la, uma figura
do seu lado caminhava.
Era um homem de estatura,
bela forma de Morfeu;
no germinar da loucura,
ela me viu e para mim correu.
Já tinha seus olhos no norte
sorrindo-me simplesmente
quando uma coisa mais forte
nos separou novamente.
Se o corpo treme no frio,
o meu coração tropeça;
num espasmo se descobriu
que um sonho pregou-me uma peça.
Eu sempre busquei com zelo
o que é o amor realmente
e sofri por conhecê-lo
numa brincadeira da mente.
Agora, no jardim dia,
cultivam-se lado a lado
um amor em agonia
e um girassol parado.
Esperam do sol a morte
na ânsia de a noite chegar
e torcem para ter sorte
de num sonho a reencontrar.