Somente por ironia

Somente por ironia

Estranho como ela se apresenta

Aliás, quando ela se ausenta?

Não sei de onde a conheço

Sinto que quando anoiteço

Ela pousa em meu ombro

E fingindo que adormeço

Choro baixinho, peço clemência

Lembro que me esqueço

Não sei por que ainda tento

Reluto, difícil esquecer o que sinto

Mas como relevar se é tão humano?

Ainda sinto o peso das alças

Seria do caixão ou do engano?

Não tenho onde me apoiar

Engraçado e miserável mesmo

É lembrar que sou humano

Dizem que chorar alivia

Costumo honrar tal fragilidade

Nunca fui de esconder meias verdades

Mas é que o pranto já secou

De sal e amargo o corpo provou

Procuro o doce do que já passou

Seria mesmo a saudade o amor que ficou?

Até hoje confesso me enrolo

Rezar exige muita coordenação

Se ando na vida meio desregrado

Como serei digno de honrar uma oração?

Tento com veemência, peço clemência

Rogo perdão, mas é que nas noites vazias

São tantas as epifanias nessas nossas vitrines

Que eu esqueço o pudor, evidencio a dor

E recorro ao pouco de amor que sobrou

Perdoa se não sou modelo ou autarquia

Não esquece que dos rotos passos

Já fui maestria, na arte de amar, alforria

Pedi minhas contas, meus planos, pobres enganos

Vieram os alvos fios, os desenganos, vividos 40 anos

Sei que não sou santo, mas minha fé não posso negar

É que não inventaram templo para o amor

Quando digo que vivo a pecar é com ele que vou

Usar a razão é pecado capital, busca a solidão

Aquele que louco ou ébrio atira no chão

Prantos ou verdades sobre a desilusão

Esquecem de blindar o tal pobre coração

Que de saudades e mágoas, vive, bate, repica

Numa completa ironia que ousa chamar de paixão

Gabriel Amorim 19/07/2015