SOBRE TEMPO, GULOSEIMAS, CORAGEM E PALAVRAS AFOGADAS

I

O sentido de tempo às vezes foge.

Sinto que faz dez anos aquelas poesias.

Mas apesar de ter vindo muito tarde esta última ode,

Só se passaram, na lua, uma dezena de fantasias.

Isto desde aqueles dias penosos

Que nada fiz, senão como vossos.

II

Na manhã que você recebeu os poemas,

Embora soe demasiado estranho pelo que pareço,

Fiz como você, me consolei em chocolates e guloseimas

E acreditei ser possível qualquer recomeço.

Pois mesmo o racional se atreve ao desespero.

Nós dois ofendemos a realidade, mas não houve erro.

III

Quando o irracional toma conta, não há nada a dizer.

Pois qualquer medo é o pior inimigo,

E daquilo que fizermos só cabe esquecer.

O amigo do pessimismo é o que há de mais ínfimo.

Por isso preciso contar o que não finda,

Você tem beleza na alma, é mais do que linda.

IV

Na última noite, aquela sexta de esclarecimento,

Quando me disse coisas sobre mim ocultas

Quebrando com a suave voz todo o cimento,

Não fui capaz de retribuir senão com palavras brutas.

Não me consome a dor de ter dito um falso te amo.

Não me ameaço por ter eu sido só o que eu suportava.

O que me aterroriza é você ter sido,

Apesar de toda a distância que você colocava,

A materialização do que todos clamam e chamam de amor.

V

O soldado quando abandona a formação de combate

Atreve-se a lutar para morrer.

Deve, então, voltar para que não se mate

E dizer que o coração não é pra valer.

VI

Depois de tanto tempo por mares bravios

Volto quando, entre nós, não há amor ou amizade.

Você pelo país em luxuosos navios,

Pode se importar ou não com o que traz a mocidade,

Mas aquele que caminhar contigo, como aquela noite,

Terá no itinerário um porto, o mais aconchegante,

E saberá com certeza que existe coragem e honestidade,

Quando todos os outros a estas deixam de ser amantes.

VII

As pessoas quase nunca recusam um conforto entregado,

A vida é dura e o céu incolor retiram a firmeza

Daqueles que precisam ter algo conquistado.

Você recusou tudo que a tua família colocou sobre a mesa.

Recusou trabalho, casa e comida feita,

Para viver onde te quedas satisfeita.

VIII

Visando tua vida e aquela a ser construída

Pôs-se na rua sem nenhum tostão furado.

Encontrou teus amigos e, quando na ida,

Um buraco qualquer se tornou teu achado,

Fez dali uma casa e a dividiu com tua conhecida

A coragem de quem, frente a toda árvore de incerteza, torna-se machado.

IX

Haverá quem diga que nesses versos

Existe alguém apaixonado.

Não sei dizer ao certo, não meço

O que nos tornam afogados.

Mas para esse poeta há sim algo a ser admirado.

Como flor que está distante,

Como algo que permanece na lembrança,

O que move é colocar em palavras

O que os sentidos um dia sentiram e beijaram,

No palco, raramente calmo, dessa existência.

X

Na última vez que nos encontramos,

Tu disseste que sou alguém muito simples.

Imortais palavras para quem não conhecemos,

Pois simplicidade pode não ser o forte dessas estrofes que pulsa.

Aquele que as entender, felicito pela bravura,

Quem não as compreendeu, encontra-se como minha musa

Muito longe da brancura.

XI

Não precisamos dizer adeus,

A despedida é mera formalidade.

Vou dizer frente aos versos seus,

Mas ela não servirá a nenhuma idade.

Assim como não importa a nossa distância,

Tua fragrância não deixará de ser a própria eternidade.

Adriano Trevizan
Enviado por Adriano Trevizan em 23/05/2007
Código do texto: T498082