O BONSAI

José António Gonçalves

Um bonsai com folhas de ramos

do tamanho de prolongados suspiros

e um tronco quase invisível

deixa uma sombra verde de silêncio

nos olhos da minha amada,

ao pousá-lo, solenemente, sobre a mesa.

Era um gesto de amor, disse ela. Uma surpresa.

Pensei logo em escrever-lhe um haicai

com a nitidez da água de um rio puro

ou em correr para abraçá-la

vestindo-a de beijos azuis.

Era noite, com os seus mistérios. Peguei-lhe

devagarinho nas mãos, escutei a chuva,

lembrei-me ser Janeiro, a nascer no mundo,

e das árvores gigantes no jardim, sob um céu

negro, como uma velha latada de uva.

Então, olhei, demoradamente, dentro de mim

e não lhe consegui, titubeante, dizer nada.

Ela juntou-se-me ao corpo desvanecido

e, com os lábios tremendo, agradeceu.

José António Gonçalves

(inédito.09.05.04)

JAG
Enviado por JAG em 02/09/2005
Código do texto: T46966