AVISO INÚTIL DE ABANDONO

Este deverá ser

muito provavelmente

o último poema

que desenho no teu corpo.

Movimenta-te devagar

para lhe oferecer alguma harmonia

e, como num passe de mágica,

uma iluminação que só se repete

no abrir dos teus olhos

quando acordas.

Devagar podes auxiliar-me

inventando frases doces como mel

e cobrindo-as com o murmurar das plantas

quando crescem livres

num belo dia de sol.

As planuras descobertas dos lençóis

esboçam alcançar o reflexo das luas

e das estrelas inumeráveis,

onde as palavras se aconchegaram

para te receber, a cada dia,

com o rosto moldado pelas emoções

e eu deixo-as evoluir, como fumos

de um incêndio que nos observa

na brancura do tecto.

Agora é o momento de seguir viagem

sem saber se haverá regresso.

Mas deixo a porta aberta no limiar

do adeus que não digo.

Aqui ficará um anjo da guarda

a cuidar da tua sombra a evolar

abraçada à minha

no dorso da paisagem.

Como vês não foi preciso falar de mar

nem de lágrimas ou de abandono.

O poema está completo.

José António Gonçalves

(inédito.15.09.04)

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JAG
Enviado por JAG em 29/08/2005
Código do texto: T46120