POEMA DE AMOR

José António Gonçalves

E se de repente eu

não fosse eu, mas outro,

outro qualquer -

e estivesse aqui a escrever

o poema da minha vida

para me ausentar da morte,

como se ela me estivesse prometida

e não simplesmente predestinada;

eu teria na mesma de morrer

e não precisaria de proceder

de uma maneira qualquer,

ou melhor, faça o que fizer,

eu não terei de responder a nada?

Não descobri ainda quem escreve

ao ver, na verdade, as palavras

a nascerem, na sua febre louca,

na ordem exacta dos versos

e a constituírem-se como candidatas

à pretensão de serem poesia;

é como comida que levo à boca

sem conhecer, ainda, o seu sabor

mas a se impor, por si, ao meu paladar.

Não sei se é assim que se procede

na criação de um poema de amor.

Mas só consegui escrever isto

e só isto, minha amada,

tenho agora para te dar.

José António Gonçalves

(inédito. 17.10.04)

JAG
Enviado por JAG em 27/08/2005
Código do texto: T45512