Casamento

Adélia Prado
Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como "este foi difícil" "prateou no ar dando rabanadas" e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.
 
 
 

Cumplicidade

Quem  disse que o amor pode prescindir
Da cumplicidade?
Amar vai muito além do convencional
Do estereotipado
Do puro glamour
Cenas de novela podem até encantar
Podem despertar a libido
Muitas vezes adormecida
Mas...
Que mal há em compartilhar?
Desde um filme na TV
Uma partida de futebol
Uma canção a duas vozes
Mesmo que desafinada
A louça da pia depois de um jantar
em família
Ou com amigos...
 
E se nas tarefas domésticas
Depois do silêncio que a madrugada exige
As mãos se tocarem assim de súbito
E a vontade um do outro surgir
Se confundindo com a espuma
Com o cansaço
Com os risos que foram gratuitos minutos atrás
Ah, de repente viramos só namorados
O restante da louça se aquietará na pia da cozinha
E
As mãos já reaquecidas pelo desejo
Buscarão outros pontos
Onde somente a ternura
O tesão
A vontade
Falarão mais alto
 
 
Acredito no amor compartilhado sempre
Em qualquer situação
Insólitas ou corriqueiras
Com ou sem hora marcada
Mas é preciso treino
Nas questões do bem-querer
Faltam mais olhares entre os casais
Mais toques
Mais um no outro
 
E falta riso também
Deboche até
Não aquele que diminui
Que ridiculariza,
Mas o que nos torna cúmplices
Até nas pequenas escorregadelas
Nas tolices diárias
 
Se o meu amor quiser pescar
Que pesque
Vou junto com ele limpar
E escamar os peixes,,,
 
Nada que um bom banho
Pleno de carinho
Não nos faça adormecer de mãos dadas
Depois de...
Ah, isso depende do querer de cada um