APROXIMA A CHAMA DO ROSTO
José António Gonçalves
aproxima a chama do rosto
e sente a luz atravessando a noite
escondida nas escarpas estonteantes
do teu olhar incolor
espraia pela tua pele num manto
de penas macias as distâncias da voz
separando-nos do silêncio em braseiro
que nos imola dentro de nós
conta-me como os antigos
seguiam nos inesperados dias de chuva
por caminhos íngremes e decidiam jamais
retornar ao cais de partida
procura encantar-me com o vento
soprando no velame dessas viagens
como se construíssemos um altar sagrado
para ensaiarmos velhos rituais
essa é a aventura imorredoira
desenhada nas fogueiras nos incêndios
para dar corpo a um grande amor
capaz de sobreviver aos cismos ao mar
por isso ilumina-te toda com a chama
que se aproxima do teu rosto como um segredo
um relapso de brisa varrendo a alma e tão secreto
que foi eliminado de todos os compêndios
assim se te digo amo-te
é principalmente para sentir-te viva
no turbilhão confuso do medo
e ter-te para sempre
por perto
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.5.08.04)