A Bicicleta Mágica
I
De longe me olhas
com uma boneca enferma
e uma bicicleta mágica.
Nas manhãs douradas
teus pés bailam nos pedais
sonorizando o silêncio das vielas.
(a música que trazes nos sapatos)
Rompes a tristeza do quarto de menina
e a distância do arrabalde à avenida
voando com os anjos
entre cinamomos e semáforos.
II
-Niña, te acuerdas, niña?
A tarde de abril quando passaste sob o pórtico do arco-íris,
a noite de setembro quando seguiste aquela estrela fugitiva...
A chuva nas ruas, teu barco de duas rodas
singrando invernos,
o vestido, os cadernos e até os ossos encharcados.
Tanta chuva acumulou-se nos teus olhos, niña,
que até hoje têm goteiras...
-Niña, te acuerdas, niña?
Voavas de casa à escola,
qual um pássaro nas nuvens,
nas manhãs de cerração;
o vento viajando clandestino
em teus cabelos;
os pequeninos pés que bailavam nos pedais
ao som das engrenagens.
Eras um ser encantado navegando sobre rodas.
III
-Niña, te acuerdas, niña?
O tempo circulava em duplo aro
de sonora geometria
quando a bicicleta mágica,
que hoje roda em tua infância,
separou-se do teu corpo.
Com a sonoridade dos pedais
sob os sapatos
vieste, passo a passo,
tamborilando nas calçadas
pra pôr música em meus versos.
-Niña, te acuerdas, niña?