O SILÊNCIO DOS SEXOS

para a Gilda, sempre

a pele é uma planície decorada de arbustos

um ninho de pêlos e poros em convulsão plena

o lugar onde o tacto se consome em espasmos líquidos

e os amores respiram no intervalo de todos os sustos

o coração é um instrumento que bate e acelera

na tenda dos circos coloridos pelas romarias lunares

sem que se suspeite da razão porque sempre se atormenta

e às vezes é dócil como um cão transvertido em fera

o enamoramento reside um pouco abaixo da fronte

e veste-se com os melhores tecidos estampados de luz

à espera de ordens que não chegam nem são dominadas

pelos prisioneiros encadeados pelo sol no horizonte

são corpos incomodados pelo limite do tempo estático

em movimento inusitado na cama com cheiro a pradaria

onde os cavalos suam e a humidade cava trincheiras

para vencer o impulso de qualquer desejo esporádico

a cabeça pretende o controle azul no rasto das penumbras

e contorce-se submetida à imensidão dos mares sem fim

como se o mundo se reduzisse à palma de uma mão quente

com força suficiente para conter a escuridão das sombras

na erva os suspiros abafam o efeito de pequenos reflexos

das paredes brancas espalhando-se pela terra em redor

e podia ser apenas tudo isso ou a exacta erupção do sangue

o que explica a surdez que acorda o silêncio dos sexos

José António Gonçalves

(in "Antologia da Poesia Erótica",

Universitária Editora, coord. Paulo Brito e Abreu,

Lisboa e Bienal de S. Paulo, Brasil -1999);

(in "À Espera dos Deuses", Colecção Obras Completas

de José António Gonçalves, Ed. Correio da Madeira, nº.2, 1999)

JAG
Enviado por JAG em 17/07/2005
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