Morrer de Amor
Hoje é um dia anormalmente estranho.
Parece que tudo está diferente.
Hoje eu não quis fumar.
Acho que estou livre do vicio. Será?
Peguei-me, agora pouco, acendendo um cigarro
E colocando no cinzeiro.
Um cigarro que nunca fumarei.
Não posso.
Junto com o cigarro, deixei,
Também, o uísque.
Afinal, com estes tempos de recessão,
O quê posso fazer?
Mesmo assim, meu copo permanece ao meu lado,
Mesmo que vazio.
Meus velhos livros de poemas estão lançados às traças e
Apodrecem.
Parecem as velhas e podres carnes de um novo cadáver
Que chega ao reino dos vermes mal-feitos.
O tempo é engraçado.
Eu pensei nele ao ver o cigarro queimando.
Ele queima em segundos.
Ele vai queimando-se e queimando-se.
Contudo, não é ele quem começou tudo isso,
Tudo começou porque eu acendi o isqueiro.
Pensei em voltar a escrever.
Isso me fazia um tanto de bem.
Só que hoje parece que os temas e motivos se foram.
Acho que deve ser porque deixei de amar.
Então, seria o amar o verdadeiro tema do poeta?
O poeta, como dizia uma certa Pessoa, é um fingidor.
Finge tanto, que chega a fingir a dor que deverás sente.
Será mesmo?
Até que ponto existe uma certeza em que o poeta só é verdadeiro fora do poema? Afinal, poeta é artista. E artista só veste mascaras fora do palco.
Não posso deixar o cigarro terminar de queimar sem ao menos dar um misero trago. Mas não posso.
O tempo está passando, parece que a noite logo terminará
E poderei ver a luz de um novo amanhecer.
Luz? Seria isso que tanto nos inspira, poetas? Não.
A luz nada mais é que a ausência da escuridão.
E o amor nada mais é que a ausência do ódio.
Não sou nada além de um homem sentado,
Esperando que o cigarro, maldito cigarro,
Apague-se.
Como disse: queria tragar,
Mas não posso.
Não que eu não queira,
Pelo contrário: quero muito.
Contudo, não posso.
O amor se foi.
Restou aqui aquilo que era ausência
E que hoje é presença. Ódio.
A luz se apagou.
Restou, enfim, a Escuridão.
Morrer não dói.
Deixar de fumar, acaba comigo.