Transparente
Quando escrevo sinto como se minha matéria ficasse ao lado, vendo minha alma escrever e revelando o que nem as paredes confesso...
Poetisa? Não, só uma moça que escreve o que sente.
Ele parecia um homem triste por uma antiga desilusão
Um carpinteiro simples que encontrou um tronco retorcido no chão
Levou nos ombros aquele cerne para esculpir
Entalharia as curvas e os mistérios de uma moça a sorrir
Todos os dias trabalhava até a exaustão
Porque exausto quando se deitasse na cama seu corpo não arderia de desejo e paixão
Em sua oficina perdia a noção do tempo trabalhando até tarde demais
No fundo era um tímido romântico exatamente como a moça de Batatais
Gepeto um dia fez um menino de madeira que não mente
O carpinteiro esculpiu no tronco o corpo de uma moça transparente
Talvez a obra de arte ficasse num canto cheirando a verniz
Enquanto o carpinteiro passava décadas sofrendo por uma mulher que nunca o quis
Naquela noite mesmo cansado ele não conseguiu adormecer
Sentia falta do amor de outrora
Onde uma mulher se entregava por amor ao parceiro até o amanhecer
Colocou delicadamente a escultura de madeira sobre a cama
Onde a poesia transformaria a arte em dama
Um homem romântico é másculo até para contemplar a envergonhada lua no céu
Quando se voltou se deparou na cama com todo o romantismo e a volúpia de Raquel
Nada ele ousou perguntar
Nada ela teve coragem de perguntar
Se encontraram com o fogo e a paixão estampados no olhar
Rústico se emocionou quando sua mão na pele macia dela tocou
Manhosa arfou quando nos braços dele se aninhou
A luz da lua foi cúmplice quando adentrou lânguida pela janela
Ah! Se ele soubesse quanto amor tem por ele essa Cinderela
Quando amanhecer voltarei a minha forma bruta
Ornarei soberana num canto empoeirado qualquer
Fechando os olhos de dor ao vê-lo chorar por outra mulher
Mas nessa noite rasgo de amor meu peito
Deslizo e amarroto os lencóis do meu leito
A moça que esculpiu no coração um amor puro e verdadeiro
Se faz mulher numa entrega apaixonada aos braços do carpinteiro...