FANFARRAS & OUTRAS
FANFARRAS
Desta vez os sentimentos de inocentes se arrojam,
Envoltos em momentos de aura tão estranha!...
Que a própria atmosfera assim nos acompanha
E reveste em palores que quase, enfim, te enojam.
O que terá levado a linda cabecinha,
Que tanto quereria ouvir de fada e alumbre,
Soerguer-se ao pedestal, no mesmo ideal deslumbre,
De quem do pedestal a desce e se avizinha...
De quase desnudá-la da semi-virgindade,
Na velha e antiga luta. em que a obscuridade
Transforma o macegal em gruta de diamante...
E disposta estaria, num mesmo ardor selvagem,
A seus olhos abrir, num ato de amostragem
Que a exalte e humilhe assim em giesta triunfante...?
CÁLICE
Na cadência sutil de mel e alfombras,
Eu renasci um dia em sortilégio,
Da multidão febril no privilégio
De amor gozar a carne e bem as sombras...
Incrédulo a rever, nesse teu vulto
O ídolo sonhado em pedestal,
O retinir de sinos de cristal,
Burlar da morte, num final indulto...
E tendo a meu alcance inteiramente
A carne e o sonho que tão poucos tem
[Carne em amor talvez seja freqüente,
De amor o sonho algures sempre vem,
Tão raro é ambos juntos ter presente...]
Carne não quis -- e amor foi-se também...
AZEDUME
ou me aceitas inteira como estou,
sem restrições, completa em meus direitos
de gozar à vontade meus defeitos,
depois odiar-me pelo que não sou;
ou me aceitas assim, pura e neurótica,
de humor instável, sempre insatisfeita,
buscando sempre à esquerda e já à direita,
com que satisfazer-me a sede exótica;
ou não me terás mais, pois não desejo
ser mais que sombra e gosto de teu beijo,
num áspero guinchar de cornamusa;
não quero ser poema -- quero vida!...
antes tornar-me vil mulher perdida,
que reduzir-me à sombra de uma musa!...
REPULSA
Uma promessa te fiz, sem que pedisses,
Chegou como surpresa e desagrado:
Jamais querias responsabilizado
Fosse teu comportamento ou que sentisses
Que fiel a mim também ser tu devesses...
Fui eu que senti -- estranho ser humano,
Que era a ti que amava e, soberano,
Ergueu-se o sentimento -- merecesses
Que te fosse fiel, já que te amava;
E a partir do instante em que me deras
Certeza que esperavas, me apressei:
Era uma prova de amor que assim te dava.
Mas carne é carne; e se não sei se esperas,
É muito triste, amor... mas trairei.
ATRIBUIÇÃO
Insistes tanto que tantos defeitos
Maculam o teu ser e o teu caráter,
Que és inconstante qual esfíncter
Que não controla mais os dons perfeitos
Entrelaçados às rosáceas puras...
Mas é que não enxergas esses dotes
Terríveis a luzir, puros archotes
Que talvez só eu veja... são agruras
Que terei de enfrentar, mas vencerei:
Vou colher o sorriso entre os trejeitos,
Vou transformar os males em bondades,
Porém teus dons inefáveis mostrarei...
E assim, podes mostrar-me os teus defeitos,
Porque eu te gozarei das qualidades...
ARETHUSA
APENAS UMA ESCRAVA,
A JOVEM LUSITANA...
SUA ALDEIA DESTRUÍDA, LEVADA
AINDA MENINA
E VENDIDA AOS EUNUCOS, PARA SER CONCUBINA
DO SUMO-SACERDOTE DE ASCLÉPIOS,
QUE SE UFANA
DE PRIMEIRO A POSSUIR,
PARA DEPOIS LARGÁ-LA
AOS HÓSPEDES DO TEMPLO, ATÉ CHEGAR UM DIA
QUE UM PATRÍCIO ROMANO
A COMPROU E CONDUZIA
À CAPITAL DO MUNDO, QUERENDO DESPOSÁ-LA...
MAS QUANDO, FINALMENTE,
JULGAVA-SE FELIZ,
SEU AMOR FEZ MATAR
POR CIÚME A IMPERATRIZ,
SEU CORAÇÃO VAZANDO, EM PURO SENTIMENTO...
E ELA CHOROU, CHOROU, TAL COMO
CHORA O VENTO...
E AO VEREM TAIS LÁGRIMAS,
OS DEUSES SE APIEDARAM
E NUMA FONTE SALGADA, PERPÉTUA
AS TRANSFORMARAM...
COMO A CHUVA SERÔDIA
Enquanto se esperava amor fosse perfeito,
Se apressaram os sonhos, em sua saga incerta,
Coletando desgostos, cada qual a seu jeito,
Tratando de povoar a vastidão deserta
Que eu chamava de alma, que era mais mortalha,
Em que poesia e música jaziam, lado a lado,
Em restos de papiro, em pó que o vento espalha...
Em cacos de emoção, em coração gelado...
E então surgiste tu, tão trêmula e assustada,
Suplicando favores... inúteis, quase nada,
Insegura de ti, mas conhecendo ao fundo
A glória do poder, a força do profundo
Perfume da mulher que teu olhar mostrava:
Que tudo umedeceu na alma que secava...
A fonte de Arethusa existe na Sicília, nas ruínas da antiga Syracusa e ainda verte águas salgadas que namorados buscam; a lenda diz de fato que os deuses transformaram nessa fonte uma jovem desesperada. Asclépios é o Esculápio romano, o deus da medicina, filho de Apolo. Quanto à chuva serôdia é a chuva temporã, que chega muito depois da época normal... como esta inspiração me chega agora, depois de anos de secura. Bill.
SUBSISTÊNCIA
Não quero mais só alma, mulher:
quero teu sangue
misturado no meu, quero teus filhos!
que sigas lado a lado os mesmos trilhos
que longamente estive
a palmilhar, exangue!...
Quero teu corpo assim,
ao meu todo enlaçado,
como enlaçado já está ao teu meu coração,
como sei está o teu, inerme na emoção
a que embora resistas, mantém atribulado
teu corpo inteiro, que de enlaçar desejas!
Por isso te parece tal ânsia uma loucura,
porque é incontrolável,
por mais que lhe resistas.
Tal o desejo meu, tão puro de conquistas,
quanto agora é feroz em recobrar ensejos
ao amor permanente, que toda a vida dura!
BROTAÇÃO
Não me deixes secar, mulher feita de orvalho,
Teu corpo almiscarado oculta tantas almas!...
Umas me querem bem, outras são calmas,
Outras me odeiam, outras me acham falho
Em relação ao ideal que sempre havias buscado,
Embora pela vida um tal ideal seguro,
Por mais que procurasses, sempre mostrou-se impuro:
Por gozo material foi sempre maculado...
Mas para mim, mulher, és pura inspiração,
Aquela que molhou meus ossos ressecados
E neles insuflou a vida novamente...
Não te afastes de mim, tão só por negação
Dos sentimentos puros, nas veias revelados,
Dessa chuva de sangue que me explodiu na mente!...
TO CROWN A BEAUTY
It is hard to take for a guide a name
of a girl you never met, very certainly
a pretty girl, fresh as a rose, vainly
expecting from life a future tame...
Elizabeth is her name, like a queen,
perhaps the most queenly dame of all:
before her throne fell so many a thrall,
not of her might, but for having seen
the beauty a queen would flaunt, and yet
so many have not; though Queen Bess,
called the Virgin Queen, for never marrying,
had lovers galore, the most illustrious set
England could provide and they confess
would die if only for her kindliness' sharing...
[a girl named Elizabeth asked me to write a sonnet with her name. of course i wrote a praise to Queen Elizabeth the First...]
INDEFESO
Não sei se devo te escrever mais versos...
Tantos já te escrevi, que tua alma multifária,
De humor instável e de expressão tão vária,
Já deveria ter só para mim conversos
Todos os seus escaninhos tão diversos;
E não negar amor após as juras,
Após as firmes confissões mais puras,
Na marcha desses anos tão dispersos...
Ter marchetado ao longo dos meus ossos
A certeza de um bem depois negado
Por tais oscilações, que não consigo
Jamais prever e sinto que em destroços
Tornou-se-me a confiança: inda a teu lado,
Não saberei jamais se estou contigo...
PROPOSTA
Se queres me entender, pensa primeiro
Que não tenho intenção que seja oculta:
Eu quero usar tua vida, seja a multa
Qual for; o preço eu pagarei inteiro!...
Pensa que eu busco apenas a expressão
De meu gênio viril em corpo e nalma,
Na fonte e turbilhão, verdade e calma,
Só para encher-te inteiro o coração...
Eu quero que me ames -- não preciso
De apelar ao vulgar gesto indeciso
Que saberia usar outro qualquer;
Eu quero ver-te pura e sem recalque;
Completa ao coração então decalque
Minhalma, que te amou, porque és mulher!