Metade corpo, metade alma

Há em mim tempos só de alma e tempos de só corpo.

Como cada mulher, cuja paixão física é alegoria da alma,

expressando o amor forte e profundo,

meu corpo é um frasco de rosas aberto,

plena revoada de andorinhas em eletricismo gracioso,

bailando ao som instigante da paixão

que voa junto com elas,

impregnada do cheiro da terra molhada

e recendendo a essência das águas!

Minha pele é um lençol de praias deitadas,

gozando mansuetude do estio sereno,

sob cujas fundas raias vibra um rio nervoso e transitório,

com águas claras de ondas estreladas,

onde dorme um Deus menino,

purificando-as até explodir do casulo a borboleta,

não mais em tempos de corpo,

será a vez da alma reinar libérrima!

Não fosse meu corpo apenas símbolo da feminilidade,

a alma dançaria tal pluma suave ao som de liras e violinos

e mesmo onde se fizesse silêncio,

entoaria sua orquestra a formosura do amor fragmentado,

dilacerado, ora esmagachado,

que sobreviveu às almas esperanças

inundadas do azul do sentimento,

que da dor nasceu esboço, raiz pouco a pouco

espetando seus galhos de sangue

e criando, por fim, troncos gigantes,

discordantes, opostos, vorazes, mas formosos!

Sim, meu corpo é raiz juncada meio ao chão,

meio ao céu de mistérios,

mulher que do mistificado segredo floresceu,

da fome de viver reviveu - semente crescida da morte,

porquanto já fui eu um vampiro de amargura,

antes de frondejarem meus galhos e

florirem meus brotos e

aflorar este desejo louco de encontrar o amor perfeito,

nos sonhos mordaz com presas femininas

e garras da sutil gazela provocante,

aos toques instintivos de serpente sedutora

e veneno antiespasmódico da morte!

Nestas veredas,

apalpei com os pés resto de flores,

entraram em mim as estrelas d’arte,

das quais trago fulgor e magia

e os sonhos da lua tatuaram meu corpo,

para eu sentir o quão ele mais vale, quanto mais se descasca

e em essência de amor se transforma,

e por isto, não raras vezes,

tempos me viram sem o corpo visível,

das vozes audíveis.

Tudo é apenas um rio por dentro e fora de mim a tua espera, homem amado, que amanse, dulcifique e humanize

minhas águas revoltas.

Santos-SP-11/11/2006.

Inês Marucci
Enviado por Inês Marucci em 11/11/2006
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