POEMA AMARGO E AMOROSO
Quantos poetas são levados a compor
Versos amargos como fel
Quando uma decepção os domina
E a desilusão abate o coração
Como a descarga de um raio
Sobre um corpo
Não é fácil expressar amargor em poema
Falar de um constrangimento
E de um descaso ao sentimento
Chorar por dentro
E ainda ter que sorrir
Manter aparências quando os olhos não brilham
Tão doloroso quanto um amor não correspondido
É constatar que os poemas do amor declarado
Já não sensibilizam o mundo
Nem tão pouco a mulher que os inspirara
Quando o olhar da maioria
Não brilha com o afeto que brota de um poema
Que musa tão insensível é esta!
Que mundo tão pragmático e hermético
Que não se entrega a subjetividade do concreto amor!
Que lição de dureza!
Que insensibilidade e quanta futilidade a produzir desamor!
Uma bofetada não causa a mesma dor!
Mas pior do que a dor que corta a alma
É o desprezo a arquitetura dos poemas
Que são gestados do amor
Sem ordem
Sem métrica e sem rima
Crias de um sentimento que chegou de repente
Que sistema podre a corroer lentamente
Este que exalta o consumo do amor banal
Que torna tudo mercadoria
O que é fútil e inútil tem valor no mercado
E o que não pode ser rotulado
Pouco ou nada vale
O real valor de um sentimento
Não pode ser medido
Não corresponde a cifras ou cifrões
Só pode ser compreendido no recôndito do coração
Mas do que adianta?
Isto nada vale diante da força-farsa e desamor do reality show!
O sistema gera o grande consumo
E consome valores
Se os valores se perdem
Tudo se perde
Que os poetas e amantes da vida não se deixem consumir!
Que resistamos a hecatombe do desamor!
Que sigamos firmes conjugando o verbo amar
Verbalizando a liberdade
E cultivando as coisas do coração
Mesmo que vejamos a nossa volta tudo definhar-se
Perder-se no vazio
E na hipócrita efemeralidade que aborta o amor!
Assim nem tudo estará perdido
Nem “tudo tá dominado”
Nós sobreviveremos mesmo morrendo de amor
Ressurgiremos das cinzas!
Ressuscitaremos!
E afinal gritaremos que todo verdadeiro amor é sagrado!