Versos postos no varal
Versos postos no varal
As árvores da rua já ouviram; contaram-me também que miríades de estrelas no céu testemunharam, incrédulas, entre saraivadas de lágrimas, tua voz gritar que me ama.
Só eu, incurável romântico que sou, não vejo o que é tão evidente, este teu modo de amar tão inocente, enclausurado neste teu inconveniente recatado jeito de ser.
E eu? O Que faço? Enredo-me em tardes insanas, a mirar os meus sonhos sem nexo pendurados no varal de outros versos, sufocado em tempestade de inúmeros por quês.
Há tão pouca areia na ampulheta, há muita noite ainda prá se atravessar; os pensamentos esgrimindo, indóceis, as ações encostadas no canto – o amor entre espinhos na cama.
Não sei mais o que dizer nem fazer: estou náufrago a deriva no mar. O meu Norte é mais perto que longe, o teu riso esquecido nos guia - em outros braços não quero chorar.
As palavras me custam a sair, afogadas numa angústia perversa; agiotas palavras reversas são usadas sem dó nem quartel, assassinando desamparados nubentes em lua de mel.
A Zélia canta um reggae envolvente, um longínquo pássaro entoa um canto nostálgico. Não há gotas de chuva prá lavar minha alma ferida – minha boca carrega um gosto amargo de fel.
Dizes-me que sou doce. Deve ser o efeito dos beijos que me entregas, ou então é o doce contido nas admoestações que me pregas - uma doçura que teu abraço me faz enxergar.
Só me resta, prá minha sanidade manter, emboscar estas sombrias paixões estivais, apagar estas geladas chamas intercaladas, e erguer um monumento ao descrédito, ao desastrado e absoluto nonsense.
Aqui, nesta muleta-poema amparado, assisto a solene morte do Sol, um evento grandioso e imponente, um déjà vu de românticos insistentes, uma metáfora com outro sentido.
A chama trêmula da vela me encara, ironicamente sorrindo de meu mantra cantado. “-É inútil!” Ela me diz: “Os deuses estão dormindo. Não acordarão para analisar teu pedido”.
Não mais noites insones perdidas, não mais incendiários e dúbios amores, não mais fantasmas guardados no armário, não mais acordar de olhos vermelhos, não mais impedir que em ti eu não pense.
Um dia, um desses dias já afogado nas areias do Tempo, entrei numa livraria em busca de algo para ler, algo que me trouxesse paz. Retirei alguns livros da estante e me sentei para lê-los. Abri aleatoriamente as páginas do primeiro livro: era um livro de mantras budistas, com mantras para várias situações da vida. Minha atenção fixou-se em um deles, o qual recito até hoje...
...Om Namaha Shyvaya, cujo significado aproximado é: “Faço uma reverência ao meu Ser interior”.
Cidade dos sonhos, manhã de uma linda Quinta-Feira de meados de Abril de 2010.
João Bosco