DEBRUÇANDO NA MOÇA DA JANELA

Lá está ela, parece pintura,

assim, desarmada, desalmada, desabotoada,

equivocando meus pensamentos,

desenrolando aqueles instintos não domados,

desembestando meus sonhos de moleque, agora só flocos de algodão.

Lá está ela, parece miragem,

assim, debochando do luar,

fazendo frangalhos das âncoras desse mundo,

levando tudo em laços à deriva,

espreitando tudo com as telhas mais lavadas da paixão.

Lá está ela, parece fantasia,

assim, disposta a colocar tudo do avesso,

mesclando os cheiros com temperos,

fazendo gostoso mesmo sem mexer um tiquinho que seja,

buscando dentro da gente o que nunca pensamos em desfolhar,

e nem, tampouco, desmamar.

Lá está ela, comoversos escorridos de um poeta tosco,

assim, fogosa nas ancas que sacodem o mundo,

gostosura varrida num decote pouco calado e nem um pouco gentil,

cada volta que dá faz as mãos açoitarem seu próprio feitor.

Lá está ela, parece caída de uma penca que os deuses não vão mostrar para ninguém,

assim, desafinada sem saber onde deitar pra dormir, ou pra sorrir,

de suas palavras não ditas vou dissecar meus gozos, meus porões de zangão esquisito, meus truques de fanfarrão vadio,

com suas facas afiadas vou retalhar cada fiapo dos dias que ainda virão nos visitar e, possivelmente, nos embriagar sem a menor piedade.

Para, certamente, nos lambuzar dessas coisas fugidas que teimamos em chamar de amor,

e como teimamos.