PURA E SIMPLES

Eu poderia vir aqui

e olhando dentro da tua inusitada alma

dizer que você é mais bonita

do que o avental pintado à mão

que minha mãe colocava aos domingos,

quando se preparava para fazer o nosso almoço,

em frente ao fogão à lenha.

Foi minha primeira visão de suavidade!

Eu poderia vir aqui

e olhando dentro de tuas meiguices raras

dizer que você é mais bonita

do que a gravata borboleta azul marinho

que meu pai, orgulhoso de sua fé

e orgulhoso da fé que imaginou que eu tivesse,

enfeitou meu pescoço

quando fiz a primeira comunhão.

Foi minha primeira visão de santidade!

Eu poderia vir aqui

e olhando dentro de teus lugares ocultos

dizer que você é mais bonita

do que a doída canção “Santa Lucia”

que meu avô ouvia sua gente cantar nos casamentos

e chorava e soluçava e se lembrava da Itália

de onde tinha partido muito moço com o coração partido.

Foi minha primeira visão de saudade!

Eu poderia vir aqui

e olhando dentro de teus olhos rimados

dizer que você é mais bonita

do que o soneto de Vinícius de Moraes

com que minha primeira namorada,

equivocadamente apaixonada,

fez a dedicatória no livro que me deu de presente,

quando demos o nosso primeiro beijo.

Foi minha primeira visão de eternidade!

Mas escolhi dizer:

- Você é linda!

Puramente.