O LUGAR ONDE PISAS
jOSÉ aNTÓNIO gONÇALVES
as flores costumam brotar do caminho
nos pequeninos espaços em que pisas
logo que as manhãs despertam
às vezes interrogo-me sobre a estranheza
de elas serem ou não belas consoante o teu estado
de espírito quando partes ou chegas
só de vê-las aparecer irrompendo da terra
descubro logo as cores que te pintam a alma
e colho nelas todas as gotas de orvalho
tenho um anjo teimoso que me diz ao ouvido
para eu poder adormecer contigo na mente
que são lágrimas ou pedacinhos de segredos
e corro a prová-las em descoberta do sal
ou da doçura em que espelhas sentimentos
mal acordo atormentado por pesadelos
e é desse rodopio que sempre me lembro
quando termina Setembro para dar a Outubro
o lugar da infância e do seu palpitante desfrute
com os dedos a deslizar pelos teus cabelos
negros como garças voando soltos ao vento
e empurrando-me com força para que lute
eternamente por tudo em que acreditamos
vencendo a noite os dias e todos os medos
com que os labirintos das emoções nos prendem
e agora que novamente me levantei cedo
vou sentar-me a contemplar a marca dos teus pés
sobre a poeira e a erva por onde escolhes passagem
e durante as horas de um nascer a um pôr-do-sol
a ninguém mais pertencerá essa minha homenagem
e nessa magia por ela saberei como estás e quem és
José António Gonçalves
(inédito.04.10.04)