O Silêncio das Palavras Não Ditadas

Ela é uma dona de casa simples, vivendo uma vida modesta. Seu mundo gira em torno das tarefas domésticas, das filhas que precisa cuidar e do marido que, apesar de trabalhador, pouco fala. A vida é previsível, rotineira, e o tempo livre que ela tem é quase inexistente. Mas, nas brechas do dia, quando a casa finalmente se aquieta, ela se recolhe na leitura. Em seu quarto, ela se refugia, ora vendo tevê, ora lendo algo. E é assim que ela se descobre apaixonada.

Ele é um escritor, mas não daqueles que vivem do que escrevem. Trabalha em um emprego comum, publicando livros que nunca são amplamente lidos. Nas horas vagas, ele se dedica ao que realmente ama: escrever contos e poemas para ela. Publica também em blogs pequenos, em grupos de redes sociais, sempre na esperança de que, um dia, alguém note seu talento. Mas o reconhecimento nunca vem. Seus textos são lidos por poucos, e os elogios que recebe parecem ecoar no vazio.

Há algo em suas palavras que a toca profundamente, como se ele estivesse sussurrando diretamente em seus ouvidos. Seus contos, embora fictícios, parecem narrar pedaços de sua própria vida, de suas emoções mais secretas. É como se ele a descrevesse secretamente, como se pudesse vê-la através das composições, capturando seus anseios, suas frustrações, seus sonhos não realizados.

Ela começa a esperar ansiosamente por novos textos dele. Lê e relê, reconhecendo nas entrelinhas algo que a liga a ele de uma forma que não consegue explicar. Aos poucos, aceita que, em alguns textos, há detalhes sutis, descrições que parecem ser provocações para ela. Ele nunca a menciona explicitamente, mas há uma gostosa sensação de familiaridade que ela não consegue ignorar.

Ele, por sua vez, também nota algo especial na forma como ela interage com seus textos. Embora ela não comente diretamente, ele sabe que ela está ali, lendo e absorvendo cada palavra. Ele continua escrevendo pensando nela, criando personagens e situações que, de forma disfarçada, refletem seus sentimentos por ela. Mas ele sabe que é um amor platônico, um sentimento que nunca pode ser revelado.

Ambos são casados, com vidas que não permitem desvios. Ela tem sua família, e ele, sua esposa, que, embora não compreenda sua paixão pela escrita, é leal e dedicada. O que existe entre os dois é algo silencioso, não consumado, mas profundamente real. Eles nunca se encontram de verdade, mas, nas palavras que trocam através da leitura e da escrita, há um diálogo silencioso, um entendimento mútuo que nunca seria verbalizado.

A culpa pelo que sentem, mesmo que nunca explicitada, começa a pesar. Cada novo texto que ela lê traz consigo um misto de prazer e dor. Ela quer mais, quer que ele saiba que ela entende, que ela está lá, mas não pode. O silêncio entre eles é tanto uma proteção quanto uma prisão. Eles se comunicam através do que não é dito, e, por isso, a culpa se enraíza mais a cada não encontro, a cada oportunidade de falar que ambos deixam passar.

Um dia, ele escreve um poema especialmente para ela, sem mencionar nomes, mas cheio de referências que ele sabe que serão entendidas. Ele descreve uma mulher que, como ela, encontra refúgio nas palavras, que lê para escapar de uma realidade que a sufoca. E, ao final do poema, ele fala sobre o silêncio — o silêncio que os separa, mas também o que os une.

Ela lê o poema e, pela primeira vez, chora. Ela sabe que ele a reconheceu, que ele sabe quem ela é. Mas, assim como ele, ela também sabe que nada pode ser feito. Responder ao poema seria trair tudo o que eles nunca tiveram, tudo o que eles silenciosamente construíram em suas mentes e corações.

O silêncio permanece. Um silêncio carregado de palavras não ditas, de encontros não realizados, de uma culpa que ambos carregam por aquilo que nunca aconteceu. Eles continuam a viver suas vidas, com seus cônjuges, em suas rotinas. Mas, sempre que ela lê algo novo, e sempre que ele escreve pensando nela, o silêncio da culpa volta, assombrando-os com o que poderia ter sido, mas que nunca será.

Afinal, eles entendem que o amor que nunca se consumou, o amor que nunca foi, é, na verdade, o mais puro de todos. É um amor que existe apenas no silêncio, nas palavras não ditas e nas entrelinhas de uma vida que os destinou a se amar sem jamais se encontrarem de verdade.

Paulo Siuves
Enviado por Paulo Siuves em 21/05/2013
Reeditado em 20/08/2024
Código do texto: T4302009
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