Suave e tentadora alienação…
“Felizes são os loucos, felizes são os alienados, é deles o Reino dos Céus, porque a sua ausência torna-os de forma insuspeita felizes, porque a falta de noção do que nos rodeia por vezes passa por ser o melhor dos caminhos para a fortuna plena…”
Vejo e não vejo
Não consigo sentir o que se passa na televisão
E mesmo o que se passa no mundo
E se o sinto
Penso que é tudo fruto da minha imaginação
E como sabemos a imaginação não faz mal
Suave e tentadora alienação…
Acendo um cigarro
Não sei bem
Não tenho essa noção
Mas finjo que está alguém a meu lado
Não que me importe que esteja
Ou deixe de estar
Mas é sempre bom
Sentir
Que alguém de certa forma nos está a acompanhar…
Não sei se chove
Se faz calor
Se as pessoas estão contentes
Ou infelizes
Não sei nada
E não entendo coisa nenhuma
Mesmo que seja a milésima vez
Que tal me dizes…
Outro cigarro
Mais um copo
Por irónico que seja
Bem no meio da multidão
Que me é estranha
Mas gosto do barulho que fazem
Da sua enorme confusão…
E de repente abro os olhos
Descobri que estava a sonhar
Tu não estás a meu lado
Mesmo que costumes estar
E de tal
Tenho uma brutal percepção
As notícias de um mundo
Em plena transformação
De uma sociedade
Em ardente desagregação
Chegam-me de imediato
Como noticias em primeira-mão
E o pior
É ter noção de tudo
Com invulgar intensidade
Relembrando o tal sonho
Desejando que ele fosse mesmo real
Numa frase feita
“Suave e tentadora alienação…”
“Ia a passar uma nave, possivelmente em direcção às longínquas colónias ou então em direcção à distante fronteira, ele não sabia bem…Mas por um momento desejou estar dentro dela…”
In “Socialização primária” 1996