Suave e tentadora alienação…

“Felizes são os loucos, felizes são os alienados, é deles o Reino dos Céus, porque a sua ausência torna-os de forma insuspeita felizes, porque a falta de noção do que nos rodeia por vezes passa por ser o melhor dos caminhos para a fortuna plena…”

Vejo e não vejo

Não consigo sentir o que se passa na televisão

E mesmo o que se passa no mundo

E se o sinto

Penso que é tudo fruto da minha imaginação

E como sabemos a imaginação não faz mal

Suave e tentadora alienação…

Acendo um cigarro

Não sei bem

Não tenho essa noção

Mas finjo que está alguém a meu lado

Não que me importe que esteja

Ou deixe de estar

Mas é sempre bom

Sentir

Que alguém de certa forma nos está a acompanhar…

Não sei se chove

Se faz calor

Se as pessoas estão contentes

Ou infelizes

Não sei nada

E não entendo coisa nenhuma

Mesmo que seja a milésima vez

Que tal me dizes…

Outro cigarro

Mais um copo

Por irónico que seja

Bem no meio da multidão

Que me é estranha

Mas gosto do barulho que fazem

Da sua enorme confusão…

E de repente abro os olhos

Descobri que estava a sonhar

Tu não estás a meu lado

Mesmo que costumes estar

E de tal

Tenho uma brutal percepção

As notícias de um mundo

Em plena transformação

De uma sociedade

Em ardente desagregação

Chegam-me de imediato

Como noticias em primeira-mão

E o pior

É ter noção de tudo

Com invulgar intensidade

Relembrando o tal sonho

Desejando que ele fosse mesmo real

Numa frase feita

“Suave e tentadora alienação…”

“Ia a passar uma nave, possivelmente em direcção às longínquas colónias ou então em direcção à distante fronteira, ele não sabia bem…Mas por um momento desejou estar dentro dela…”

In “Socialização primária” 1996

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 10/08/2011
Código do texto: T3151807
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