A companhia de um café
Hoje, enfim, a Felicidade me bateu à porta. E eu, mesmo que não a conhecendo ainda, achei por bem abrir. Cumprimentamo-nos, quase como velhos conhecidos. Eu e ela, de mãos dadas, entramos.
Por óbvio, convidei-a para um café. De pronto, ela aceitou. Demonstrou-se, ela, confiante em minha pessoa. Sentamo-nos à mesa. E era mesmo só um café, desses "bebidinhos", que a gente toma quando não está com muito tempo pra cafés. Mas devo confessar-te: eu ainda precisava de um gole a mais. E bem verdade é que a cada gole, com o temor de ser o último e termos nós que nos despedirmos, eu ia engolindo meu café mais em seco.
Uma xícara pra cada. Era tudo o que eu tinha para oferecer. A cafeteira vazia, por mal, nos fitava, demonstrando o fim próximo de nossa conversa. As bolachas de água e sal me faltavam naquela tarde. Não que ela se importasse. Tampouco que ela tenha me cobrado. Afinal, havia ela me chegado de surpresa naquele dia. Sorte nossa foi ter me encontrado lá, eu que não costumo fazê-lo nas quintas.
Como bem se sabe, ainda que o quisesse eternamente borbulhante e fervendo - como também pediria para ser o amor -, os cafés esfriam, sem que se preveja. E não demoraram muito para fazê-lo. E assim o é também com o amor, meu bem. Afinal, que é o amor senão uma xícara de café pronta para esfriar e tornar-se imbebível?
Não demorou muito até que eu entendesse o motivo da visita. Sem muitos esforços, meio que como quem fala sem que tenha sido perguntada, a Felicidade ousou por teu nome na conversa. Disse-me que, me conhecendo de cabo a rabo - como ela bem sabia -, para ela era tão nítida minha tristeza. Audacioso - mas verdadeira e assertiva - da parte dela, eu sei... E eu, mesmo que não quisesse beber mais daquele café morno, adiei o seu fim. Deixei-a falar comigo. Mais: instiguei-a a falar. Queria ouvir o que tinha para me dizer. E ela, de maneira clara e simples, não poupou detalhes, se dispondo a contar-me tudo. E tudo não era nada mais que teu nome. Repetida e incansavelmente, ela me dizia teu nome.
Nessa hora, quando as palavras já pareceriam me esmurrar, eu, ainda tonto de tantos tropeços, inspirei profundamente como quem acaba de emergir após longo período de afogamento. Mas não pense você, meu querido leitor, que aqui vi fim a minha chaga, termo aos meus infortúnios. Inspirei como quem junta aos alvéolos todo o ar necessário para chafurdar num mar de angústias. E não podia prever que ali eu me afogaria.
Agora, nesse final de texto, depois do final da vida - mesmo que fisiológica e mentalmente vivo -, eu posso notar que ainda quando a Felicidade decidiu me visitar, eu não tive força suficiente para fazê-la morar em mim. E até mesmo ela me fez triste. Tudo isso porque por ti vivi esperando. Sentado nessa mesa, agora já sozinho, depois de despedir-me dolorosamente, o café gelado me arrosta. E, como se num ritual de libertação, eu resolvo bebê-lo. O gole amargo da vida que mora em minha xícara, conjuntamente com a milonga das borras que clamam teu nome, desce goela a baixo como se me matasse, de dentro pra fora.