O VELHO
Arrastando-se para os fins dos dias
No peito arfante mira a artilharia
Vai-se o velho sobre dois pedais bambos
Uma sombra mambembe de cabeça erguida
Um grito que amaina perto do abismo
Não tem como mais voltar, é tarde
Vai morrer com um único tiro no peito
Vai para o esquecimento do vazio
Vai morrer para nascer de novo
Como a lótus que nasce do lodo
Como a fênix que nasce das cinzas
Vai-se para os últimos dias
Que ainda não é o fim dos tempos
Não será mais o rei do povo
Vai para o cemitério esquecido
Amanhã outro rei vai nascer de novo
Champanha e peru, abraços e choros
Vai-se o velho solitário
Completou seu ciclo vicioso
Das paredes será arrancado do corpo
Dos relógios engolido pelo tempo louco
Sumirá do roteiro dos cruzeiros marítimos
Não verá seu nome nos cardápios do gozo
Vai-se explodir em fogos de artifícios
Vai- se transformar em rugas e planos
Vai-se escorrer como lágrimas do olho
Amanhã é seu ultimo dia de vida
Fez o que pode no seu casto reinado
Cada dia vencido foi um alívio
Da carga descomunal que herdou por legado
Foi-se desfazendo em cada degrau vencido
Dos sonhos impossíveis e clamores contritos
Da vontade imemorial dos povos reprimida
Dos sonhos jamais alcançados
Vai-se o velho morrer solitário
Não será o último para muitos
Mas quando se erguer o próximo santuário
A morte e a riqueza estarão por um segundo
Vai morrer e vai nascer no mesmo tempo
Não vai trazer dor mais do que alívio
Se fosse um jogo estaria empatado
Nenhuma novidade em estar vivo
Nada novo em morrer em data marcada