Que cantam num regozijo permanente
dando vivas ao dia que chega de mansinho
queria ser eu um passarinho
e poder cantar assim liberto
anunciando o dia e dando vivas toda manhã a vida
isso parece ser tão banal e comum
Mas ouvi dizer que na Europa a natureza é quase morta
Não se ouve mais a revoada de pássaros
Nem mesmo seus cantos
ah esses passarinhos que piruetam, correm em bando! esvoaçam, bicam-se a si mesmos
estão sempre prontos para a vida
Viver é algo tão simples que eles não devem nos entender mesmo
A nossa relação com eles é de senhores absolutos
Quando criança lembro que saia pra caçar rolinhas
com a baleadera na mão me dirigia a mata próxima e ia atirar nas rolinhas
A fô pagô, a caldo de feijão a cardinheira,
Mas nunca matei nenhuma porque era ruim de pontaria
ainda bem
Ou fazer armadilhas para prendê-los em gaiolas
Hoje vejo como aquela brincadeira era perversa
Mas tinha alguns pássaros que eram considerados sagrados e a molecada não matava: o cardeal por exemplo
A coruja rasga-mortalha também não era pássaro agourento
dizia que quando ela voava perto era prenúncio de morte
Os pássaros só são ameaças aos homens em algumas fábulas
como a águia que devora o fígado de Prometeu
Ou o abutre que bica o personagem de Kafka
Ou os pássaros ameaçadores de Hitchcock no seu famoso filme
A águia só é ameaçadora no entorno do seu ninho quase inalcançável aos homens
Nenhum pássaro é ameaça aos homens nem mesmo os banais pardais e nem os singelos pombos
os pássaros são os seres mais livres e inofensivos
acordam-nos toda manhã abrem alas para o dia que chega
Nos encantam com seus cantos
Ouve uma época que conhecia quase todos os passarinhos que frequentavam a minha casa, tentava imitar seu canto sabia alguns nomes de cor: o ferreiro o cancão a rolinha o assanhaço o curió o xexéu, o cabeça e seu pescoço vermelho o bem-te-vi o sabiá
Ainda hoje penso como os pássaros são livres
E como essa liberdade é ameaçada pela ação dos homens
ah esses passarinhos