Céu de outono
E de novo me reporto ao grande poeta
Que não é da informática
E sim da invencionática
Que se diz “um apanhador de desperdícios”
E dá valor “às coisas desimportantes”
Acho que tenho aprendido com o Mestre
A observar o inusitado
A perscrutar cada vez mais
Os cantos
Os recantos
Os ocos
Os silêncios
O não-dito
Tenho sido aprendiz
Das coisas que são por si só
Que estão aí nesse mundão de meu Deus
Gratuitas e lindas
Às vezes leio até pensamentos
De tanto que aprimoro meus ouvidos
E minha visão
apesar da miopia
É que ver
É muito menos que enxergar
Assim como escutar
É mais do que ouvir
Assim vou navegando
O meu olhar
pelo azul translúcido do céu outonal
E na contramão da maioria
(sou sempre gauche)
Descubro lindezas ocultas
Preciosas
Singelas
Prosaicas
Nesses meses em que o Sol
Faz carinho
Acorda de mansinho
Deixando por um bom tempo
As plantinhas orvalhadas
E um perfume suave no ar
O azul do outono
E mesmo do inverno
deve ser desimportante
Não é notícia em lugar nenhum
É coisa de poeta
Ou de aprendiz como eu
Ah, mas lindo demais da conta
Como se diz aqui nas Gerais
E antes que a noite chegue
O pôr do Sol avermelhado
É um escândalo de boniteza
E se junto com o entardecer
aparece uma Lua grandona
Faceira
Doidinha de tudo
A farrear com as estrelas no céu
Quicando entre as nuvens
Que ,ciumentas de seu esplendor,
A encobrem momentaneamente?
Aí a alma da gente voa
Voa
Voa...
Até encontrar pouso
Naquele amor saudoso
Num certo olhar
Que junto ao seu
Também prescrutava o céu
E se quedava diante de tanta formosura
E o olhar da gente
Carente desses encantos
Gratuitos
Fortuitos
Indecifráveis
Vai ainda um pouco mais além
E avista lá longe
Uma cercania de pedras
Avista um montão de serras
Como a nos resguardar o olhar
Como a nos ensinar
que não há pressa para a contemplação
É preciso enxergar o que está perto
Ver o que está dentro
O que está nos ocos
Nas entranhas do coração
Só depois a gente pode sentir
o azul sobre nós
Pegar carona nas asas
desse gavião atrevido
que chegou
Bem pertinho de mim
E sigo “apanhando os desperdícios”
Tudo aquilo que ninguém mais vê
Uma árvore mais brilhante
Uma flor que se abriu agorinha
Um grilo estourando de gordo
No pé de couve
Um ninho de papa-arroz
No meio das hortaliças
Um bando de andorinhas cruzando o céu
Uns tucanos lindos comendo as carambolas caídas ao chão
(desses tucanos eu gosto!)
Ou uma turma de pretinhos fazendo arruaça
Na água do aspersor
Tudo isso alivia
Contagia
Nos integra à natureza
Tenho tentado usar as palavras
“para compor os meus silêncios”
E também para não me perder de mim
Quando a coisa fica brava
Quando a festa vira ultraje
Quando o respeito deixa de ser
E o amor vira só saudade
Ah, o que essa Lua cheia desperta em mim
Ah,esse céu de anil sem igual....
Esse friozinho
Esse solzinho
Esse ....
Deixa prá lá.