Luto
Ana sorriu.
Como se o mundo parasse por um breve instante e o silêncio fosse a única canção, sua vida se resumiu à queda.
Os curtos cabelos dourados, adornados pela coroa do sol poente, balançaram como um poema na gentileza das brisas. A pele branca do rosto jazia corada e, apesar da intensa dor física, seus olhos de esmeralda sorriam em serenidade.
Ana morria.
O vestido branco tingiu-se de vermelho na altura dos seios. O gosto férreo anunciou o inevitável, e lágrimas caíram em profusão. O coração acelerou suicidamente sua sede derradeira.
Sob a flauta eólica e o trovão de pólvora flutuou como um anjo a filha mais pura de Deus. Por eternos segundos sangue espirrou no céu e na relva, enrubescendo nuvens e sonhos. O aroma de flores profanado pelo acre fedor de salitre e enxofre.
Terminando o arco descendente o corpo caiu no chão. O pulsar do ritmo perfeito, feito aliteração visceral. O sol cobriu-se em pesar, a terra clamou seu luto. Homens, como hienas, riram.
A pele de Ana torno-se pálida, os lábios rubros arroxearam, os olhos vítreos opacitaram.
Ana virou cadáver e tudo ficou mais feio. Versos perderam rimas, palavras viraram chumbo. Sentir tornou-se tédio.
Mataram a poesia.
- Matheus Bueno de Bueno Funfas, 17/03/2011