O HOMEM QUE PASSA
“O universo não concorda
consigo próprio, porque passa.
A vida não concorda consigo
própria, porque morre.”
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Passam os segundos com a rapidez que a matemática lhes conferiu, e, no entanto, passam tão calmos estes segundos, que parecem arrastarem-se sobre o tempo, absorvendo extasiados à essência dos seus limites.
Atrás de um segundo vem outro, na eterna rotina da existência, e atrás destes segundos vem um menino, daqueles que tem o sorriso imaculado, o pranto sincero e a trágica dinâmica de envelhecer.
Os olhos fitam o espaço querendo reter a imagem do momento, mas os segundos passam e a cena apenas compõe a história, então, as mãos em um gesto desesperado tentam agarrar os segundos, porém eles passam e os dedos fecham-se cheios de si.
O menino desolado rende-se ao tempo, e junto com os segundos observa passar também suas fantasias; na transparência das emoções a revolução de seus valores: troca a mãe pela amante, o brinquedo pela moeda e o amigo pelo analista.
Enquanto isso, os segundos não param, passam procurando no ar a rosa esfacelada, perderam numa esquina distante a poesia, e agora passam sisudos, acompanhando a hipocrisia dos dilemas sociais, o déficit comercial e o lucro místico, a escalada de horror que os tinge de vermelho, não o dialético, ou o do ocaso nas tardes de outono, mas o rubro espesso do sangue.
Passa, também, o homem, que não pôde impedir os segundos de passarem; é tarde, e sob a sombra do tempo, que foi perseguidor implacável, ele reúne todas as suas incapacidades, curva-se até atingir seu insignificante tamanho, o comprimento de um segundo, que passa rápido, antes para permitir a vinda de outro que para acabar-se.
Os segundos passantes recriam o mesmo tempo, este é o paradoxo que os faz estar sempre presentes, enquanto que o homem não acredita em sua vida, e morre por não resguardar sua essência das metamorfoses ocorridas com o decorrer dos segundos, que passam, breves e ininterruptos.