A CASA; AS VIAGENS
A casa adere à pele
como um navio ao mar.
O sonho interior da água
persegue uma rota própria
(a fecunda dor da água
protege ilhas submersas).
Quando uma ilha irrompe
é de parto a dor da água.
A casa sustenta a carne
de objetos submissos
à posse espúria do homem.
Se envelhecem são trocados
por outros que ostentam pele
precária de juventude.
Quando a carne do homem rompe
sacia a fome da terra.
A casa sustenta a carne
do fruto maduro ao Sol
dos frutos podres da insônia
das palavras submissas
e das que ousam arrebentar
a crosta de sua história
se expondo em outra matriz.
Quando a ferida irrompe na palavra
vem o silêncio e instaura as cicatrizes.
A casa sustenta a carne
de toda fome-saciedade
e das viagens
tudo o que tem raiz de água
terá, por força,
raiz de água.
Quando a raiz de asa se aprofunda
não há céu que a detenha.
A casa não adere à pele
como um navio ao mar.
A casa não adere à pele
como uma asa ao ar.
O sonho interior da água
o sonho interior da asa
perseguem sua rota própria.
A dor fecunda do homem
fecunda o homem
emerge as ilhas e os pássaros
das águas fundas do homem
e organiza-lhe as viagens.
(...) Mas o pássaro
foi às Ilhas do Sul
perdeu-se
no vazio de ozônio.
do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva,1989.