Embriaguez

Tranquem todas as portas,

Favoreçam-me com sua ausência,

Vão para o raio que os parta!

Quero ficar sozinho: basto-me com minha solidão!

Quero embriagar-me!

Quero sossego!

A mim, basta-me uma janela aberta para o mar,

Uma garrafa de vodka,

Uma música que embale minhas carências.

Quero mergulhar de cabeça no abismo de quem sou e desconhecer-me . . .

A voz de Nana Caymmi . . . Maravilhosamente fossífera:

Sua voz me conduz por veredas tortuosas

Que desembocam em precipícios de mim . . .

Bebo: embriago-me, entorpeço-me, inebrio-me de sensações desmanteladas.

E daí? Deixem o mundo cair! Pouco me importa!

Os tratados de Teologia, Filosofia e Psicologia -

o diabo que as carregue . . .

Em séculos de existência, não deram à humanidade

Senão uma concepção vaga da idéia de Deus,

Um falso rasgo de luz por trás de uma cortina de bruma.

A mim, pouco me importam, visto que não curam minha dor!

Para o inferno todos os teólogos, filósofos e psicólogos,

mas sem mim!

Por que compartilharia o mesmo espaço com essa gente

Que se envaidece e que se orgulha de sua ciência?

Prefiro as filosofias aprendidas no balcão do botequim da esquina!

Arre! Que monólogo levado da breca!

Se continuar assim, ficarei sóbrio!

Não. Não quero ficar sóbrio.

Neste momento a sobriedade apavora-me.

Quero embriagar-me e se isso não surtir efeito,

Quero também dopar-me com ópio!

Não quero pensar. Não posso pensar.

Pensar dói. Pensar corrompe!

O pensamento anda trôpego pelos becos escuros

E lamacentos da mente, a dopar-se de adrenalina, dopamina

E sei lá mais o quê: um malandro, um engodo!

Não me convém como companhia.

Prefiro minha solidão.

A tarde cai. O mar está azul-esverdeado.

Ao largo, muitas embarcações.

Vasculho indícios: outrora fui tão feliz diante de outro mar! . . .

A janela de meu quarto descortinava-se para o mar;

Tinha um jardim com rosas narcisos, crisântemos e

Muitos girassóis de olhos arregalados para a imensidão marinha.

Ah, e que sossego na velha casa de minha infância perdida!

Em dias de sol, soltava pipa - tão colorida e majestosa em sua leveza!

Meu Deus, quem me roubou a criança que fui?

Que fizeram de meus lençóis perfumados de alfazema?

Por quais caminhos deixaram-me

Para que eu me perdesse de mim?

Meu Deus, sei que me desavim!

Outrora . . . Fora tão feliz e não sabia!

Hoje, resta-me essa desesperança, essa dor no abismo da alma . . .

Meu Deus, meu Deus!

Quero embriagar-me!

Quero sossego!

Quero ficar sozinho!

Oliveira