Lago Azul
No dorso dobrado do Planalto antigo,
onde morros curvam-se como vértebras do mundo,
jaz um lago —
espelho do céu e do esquecimento,
pele azul que respira entre brejos e vales.
Chamam-te lago,
mas és mais que poça quieta:
és corpo vivo,
membro aquoso do mundo,
onde pulsa o tempo, onde sonha o verde.
Em teus dias dourados, foste são —
recebias as chuvas como beijos do alto,
e devolvias vida a cada gota recebida.
Teus peixes dançavam nos pulmões da água,
e tua margem, úmida e morna,
acolhia o caminhar de homens e aves.
Mas ai!
Veio o peso da estagnação —
e teu corpo, outrora são, adoeceu.
Foste tornado febril.
Tua pele ardeu de tanto parar.
Teus poros — antes frescos —
tornaram-se ninho de pestes aladas.
Ó zumbido traiçoeiro!
Ó veneno que voa e se planta em veias humanas!
E não bastava a febre —
veio a fome, e com ela o despejo:
tubos de concreto, entranhas de aço frio,
verteram em teu ventre
o que o mundo não mais queria beber.
Era leite? Não.
Era promessa? Tampouco.
Era o efluente —
branco como mentira,
espesso como mágoa,
ácido como traição.
Ó ventre aquático, intoxicado em silêncio!
Teus peixes tombaram como soldados vencidos.
Tuas águas, antes canoras, calaram-se em dor.
E a eutrofização, como manto verde de morte,
velou teu leito sem luto.
Mas, eis que a mão do homem,
tão hábil em ferir,
tentou curar.
Máquinas sibilantes vieram dar-te fôlego,
sopraram oxigênio em teu pulmão submerso,
e teus olhos — antes turvos —
viram, de novo, o brilho das escamas vivas.
Respiras, ó lago, respiras ainda!
A morte te espreitou — mas não te levou.
E agora, quem te vê, vê beleza.
Mas ignora a cicatriz sob tua superfície.
Ignora o grito abafado no fundo,
o fôlego emprestado,
o corpo que só vive
porque ousa esperar.
Ó Lago Azul!
Tu és memória e carne.
Teu sangue é água,
teu suspiro é vida.
Que as raízes voltem a abraçar-te!
Que árvores cubram teu rosto com sombra e clemência!
Pois até um corpo ferido pode ser salvo,
e até um lago doente
pode ser redenção.