Ilha de Calor
No coração de pedra da cidade,
arde um sol que jamais se põe.
Não nasce das nuvens,
mas do asfalto queimado,
das janelas que exalam febre,
das máquinas que sussurram fumaça.
Ali, o calor não é apenas verão —
é sentença.
O chão ferve como brasa sob os passos,
as paredes sussurram fogo em silêncio,
e o vento, cansado de lutar,
desvia-se das avenidas.
Foi-se a sombra da árvore,
a brisa que corria entre quintais,
o orvalho que repousava no jardim.
Tudo virou concreto,
tudo virou pressa,
tudo virou calor.
As crianças arfam nos corredores,
os velhos sussurram cansaço nas varandas,
os pulmões se enchem de pó e fuligem,
e os fios, pendendo dos prédios,
carregam o suor em forma de energia.
A cidade pulsa como febre,
respira em ofegos,
arde em sua própria invenção.
Vede: o céu é o mesmo,
mas a terra, aqui, perdeu o frescor.
Enquanto o campo adormece à sombra,
a metrópole incendeia sua insônia.
Esta é a ilha —
não cercada por água,
mas por calor.
Uma ilha onde o verde virou memória,
e o concreto, rei absoluto.
E quando a noite enfim cai,
não traz alívio.
Só reflete,
em luzes pálidas,
o ardor que nunca partiu.