Lixão

Oh, véu rasgado da terra imunda!

Que ventre é este que já não gesta vida,

mas regurgita os vícios dos homens,

e cobre-se de podridão em vez de flor?

Aqui jaze o reino dos restos,

onde o metal, o vidro e o plástico reinam,

onde memórias são lançadas ao esquecimento,

e os mortos são objetos sem nome.

Não é cemitério—

não há honra, nem luto, nem lápide.

É antes o império do desprezo,

erguido por mãos que tudo tomam

e nada desejam preservar.

Vede! A terra chora seiva negra:

chorume—bile da modernidade—

serpenteia por entre as vísceras do solo,

corrompendo as águas,

matando as fontes, calando os peixes.

E o ar, outrora alento dos deuses,

é agora hálito pestilento,

sujo de gases que ardem os olhos dos anjos,

e fazem tremer os céus.

Aqui voam moscas como corvos em vigília,

e ratos, criaturas do entulho,

tecem seus reinos entre montes de esquecimento.

Enquanto isso, almas humanas vagueiam,

catando ouro entre a miséria,

procurando pão nas sobras do mundo.

Oh humanidade insensata!

Tua herança é este monte de abandono,

teu trono é de plástico, teu cetro é uma lata vazia.

E tu, que devoras sem cessar,

não vês que teu banquete há de envenenar-te?

Pois o que não some, acumula;

o que não morre, volta;

e o lixo, rejeitado, um dia clama por vingança.

E então, quando o solo não mais te acolher,

quando o ar se tornar tua sentença,

e as águas se negarem a lavar tua culpa,

que palavra terá tua boca,

senão: “Perdoai-nos, ó Terra, por termos esquecido de vós”?