Erosão
Foram-se as sombras que abrigavam a encosta,
foram-se os braços que seguravam a terra.
Agora o solo respira a descoberto,
desnudo, entregue ao tempo impiedoso.
A chuva veio.
Mesmo enfraquecida pelos ventos alísios que vêm do Atlântico,
rompeu-se em gotas dispersas, sem fúria, mas insistentes.
Não encontrou folhas para apará-la,
não encontrou troncos para detê-la,
então desceu, paciente,
escorrendo sobre a terra nua, procurando caminhos.
Primeiro, sussurrou sobre a superfície,
levou o pó, roubou a leveza,
desfez a pele do chão, fina e silenciosa.
Foi um toque laminar, um aviso de ausência.
Depois, a água buscou caminhos,
rasgou sulcos onde antes havia raízes,
cavou canais onde os pés pisavam firmes.
Era a enxurrada marcando seu território,
esculpindo a terra em traços de desamparo.
Mas não bastou.
O vazio quis mais vazio.
A corrente afundou as garras na carne do solo,
deslocou terra que um dia sustentou florestas,
abriu crateras onde antes havia chão.
E as voçorocas, como bocas famintas,
engoliram a paisagem que antes se erguia.
O vento sopra onde havia frescor,
mas agora levanta poeira.
A água corre onde havia raízes,
mas agora escava feridas.
Nos rios, o sedimento sufoca o leito,
toma a casa dos peixes,
entorpece as águas,
esconde a lembrança da floresta caída.
O que era copa torna-se lodo.
O que era chão torna-se corrente.
O que era firmeza torna-se ausência.
E onde tudo se perde,
o que se acumula é o esquecimento.
A erosão não é só da terra,
mas da própria história,
apagada pelos gestos que a feriram,
mas que agora, incapazes de detê-la,
veem a floresta vingando-se com o próprio tempo.
Mas dizei-me vós, filhos do verde,
se a raiz é cortada,
se a sombra é arrancada,
o que resta da terra senão a fuga?