Da janela

Olha o Mundo Surdo aí,

como cresceu,

está bem nutrido, tão rosado, engordou...

Antes era assim, meio anêmico,

sem vigor,

mas de um tempo pra cá,

pegou corpo.

Olha Maria, passeando com seu cachorro,

nem percebeu que a dezessete passos,

uma menina que cheirava à fome

caiu e se calou

a meio metro de Thor,

que se parece com sua mãe

no trote e na pose.

Eita mundo grande que todos alimentaram

e o encheram de mimo...

Olha, seu Guiomar,

o sociólogo que juntou gerações:

- Seu Guiomar! - Seu Guiomar!

Não ouviu, está no mundo.

Aqui, da minha janela,

ouço o silêncio.

Na tela, um cientista fala

do seu estudo do individualismo

e de como este explica

a energia

e a matéria escura.

Antigamente, tinha um povo aí

que vivia nas ruas, nas praças, nos bares...

Sumiram;

acho que moram nas galerias.

À noite, consigo ouvir

do chão da minha sala:

músicas, risadas e aquele burburinho.

Lembra do Heleno? Outro dia o vi,

saindo de um bueiro,

estava meio amarelo,

mas trazia um grande sorriso no rosto,

me deu com a mão,

balançando o braço,

e saiu rodopiando pela avenida.