Primeiras lembranças
Os soldados atiram bagaços de laranja,
e, sem forças, eu me escondo
entre as mesas viradas do fim de feira.
Meu camarada parece entender aquele propósito,
e seus olhos arregalados acenam
para minha permanência acovardada.
Meu estômago dói
e sinto saudades de casa;
meu camarada corre e dança
no cenário vazio das multidões,
gira e roda,
e seus olhos são faróis
de expectativa e gozo.
Cinco disparos, cinco corpos,
e minha cabeça, entre minhas mãos,
confere ao meu deserto um sentido novo.
Retornando, entre almas esvaziadas,
recordo a lâmina retalhando
a pele jovem do desejo exposto
que afronta os olhos
de quem o observa:
meus olhos, filtro de gerações,
como se, na fronteira
dos meus segredos,
meus pais olhassem orgulhosos
para meu grande feito.
Em casa, banho gelado e poucas panelas;
minha dor é somada às de quem ficou.
Na calçada, a brisa do vento
em meio à caldeira do tempo
e aos sacos de amendoim...
nada penso, só existo.