O cirurgião estava tomando
um chá antes de abrir e repuxar
a barriga de um cara de sessenta
e oito anos; com dois filhos homens

Uma neta e um neto…
a neta recém-nascida, com lábio
leporino e que ele mal sabia
o nome.

… Também faria
muito em breve uma
cirurgia.

O cirurgião sonhava
com o fevereiro de folga
e fevereiro ainda estava
tão longe…

Ele queria viajar
com a família e se sentir
amado, outra vez.

A coordenadora da escola
tentava telefonar e falar com a mãe
do aluno de notas baixas e
comportamento “impossível”…

A mãe do menino era enfermeira,
e era difícil demais falar com ela.
A coordenadora encarava o menino
com olhar severo…

mas no fundo
pensava que ele
era apenas:

Um garoto sozinho…

Que tinha um ar zombeteiro
mas não conseguia esconder
que estava sozinho.

A raiva, a tristeza
a dor de não se saber
acompanhado, no mundo
num tipo de bicho

… que se diz
que anda em bando.

A enfermeira preparava
a sala de cirurgia pra que
o médico repuxasse a barriga
do homem na maca.

O pai de dois outros
homens mais novos…
avô de um menino e uma
menina com lábio leporino.

E que tinha sessenta
e oito anos; completando
sessenta e nove, em
fevereiro.

Ele estaria bonito
em fevereiro…
E o médico estaria
de férias em fevereiro.

E o menino estaria
de férias em fevereiro
e a mãe que era enfermeira

Pensava em tirar
uma folga e pular carnaval
com seu filho, esse ano.


 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 17/09/2024
Código do texto: T8153774
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