ABSURDOS DE UM HOMEM DESMEDIDO

Eu tenho a fome dos saciados

a lucidez dos embriagados

a certeza dos incautos

e a insanidade dos homens normais

Eu tenho a alegria de ser triste

a inquietude dos acomodados

a pressa lenta dos afobados

e as mãos parecidas com as do meu pai

Eu tenho a rebeldia dos mais jovens

os cabelos brancos da minha idade

e se nasci com o cérebro pequeno

minha alma já se achava grandiosidade

Eu tenho a coragem dos medrosos

que dormem calados nos quartos escuros

rezando terços escondidos

para um deus mais ateu do que eu

Eu tenho a confusão da ambiguidade

a oscilação dos equilibristas descompensados

o desvario quixotesco dos congruentes

e a ponderação dos insensatos

Eu tenho em mim o amor da minha mãe

as palmadas que devia ter levado

a inocência original dos culpados

e a trela disfarçada dos meninos comportados

Eu tenho a avidez desejante dos pacatos

o contrassenso dos sensatos

a inconsequência dos comedidos

e a bisbilhotice dos desinteressados

Continuo o mesmo por ter mudado

ainda uso calças e camisas apertadas

em um corpo envelhecido e engordado

e trago no meu futuro meu presente passado

E se penso com as mãos

escrevendo com a cabeça

foi porque meu anjo da guarda

ficou manco caindo da escada

Minha esposa sempre diz

que eu sou todo errado

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 26/03/2023
Reeditado em 26/03/2023
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