O CORPO
Rosna, grunhe, cheira,
arranha, incha, estala,
ao alto de sua zoada:
reina, silencia e deita,
saliva, respira, escarra,
assovia, apita, dispara
o coração se esgueira
toques cardíacos, toada;
no escuro da cama: tateia
o barulho da telha
do grilo, do cão, do gato,
na escuridão o som das coisas
e do corpo que tosse e peida
engrenagem...
Da minha alma não escuto
voz, ruído, estampido,
não vislumbro o colorido
quando deito, reparo
de tudo em volta aparição,
da alma: caranguejo,
nem sinal do teu beijo,
nem algazarra, retroajo
minha cor no feto,
o calor do útero,
ao túmulo: mexilhão
debato, soçobro, soluço
minha alma tem memória do mar,
uma saudade na pele
como quem se esquece
de se afogar e implora;
minha alma é bote
sem água, sem sal,
insípida e desgostosa,
sem correnteza ou norte,
sem horizonte ou litoral
nada, nada, nada
é minha alma...
No meio da noite
na minha mão: cabeça,
cabelos, na nuca
respiração,
no peito mãos,
nos pés os dedos,
ao redor paredes,
na costa cama,
no corpo coberta
na alma: estas páginas
de um poema
que nasceu da entranha,
por isso não estranha
os absurdos
que quando poema fala
eu não durmo.
Diego Duarte dos Santos